Apesar de ter sua mortalidade reduzida em mais de 50% desde 1995, a partir do avanços terapêuticos (clínicos e percutâneos), o infarto agudo do miocárdio (IAM) ainda se associa a um prognóstico desfavorável à longo prazo.
A disfunção miocárdica, ao lado de morte súbita e recorrência do IAM, constitui um dos fatores responsáveis por esse cenário. Assim sendo, uma avaliação acurada da função ventricular esquerda após um evento agudo é de extrema importância na identificação daqueles pacientes com maior risco de desfechos desfavoráveis.
Além da fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo (VE) e análise pelo strain, teria o trabalho miocárdico algum valor incremental na avaliação desses pacientes?
Foi o que avaliou um estudo publicado na European Heart Journal em 2022.
Foram avaliados 244 pacientes, entre 2018 e 2020, admitidos na unidade coronariana do Lille University Hospital com diagnóstico de IAM. Todos os pacientes realizaram angiografia durante a internação e foram tratados de acordo com as recomendações das diretrizes da ESC.
Pacientes com infarto agudo do miocárdio iatrogênico, elevação de troponina que não por obstrução coronariana (miocardite, cardiomiopatia de Takotsubo, sepse…), disfunção valvar moderada a importante, com fibrilação atrial e menores de 18 anos foram excluídos.
A avaliação ecocardiográfica foi realizada após 01 mês do evento agudo, com análise convencional, strain global longitudinal do VE e trabalho miocárdico.
Os pacientes foram, então, acompanhados para avaliação de eventos cardíacos maiores, definidos como (1) morte por causa cardiovascular, (2) insuficiência cardíaca e (3) revascularização miocárdica não planejada.
Um total de 297 pacientes foram incluídos no estudo, contudo 53 apresentaram algum critério de exclusão (48 pacientes com janela ecocardiográfica inadequada, 2 pacientes por perda de seguimento, dois pacientes por fibrilação atrial e 01 paciente por presença de derrame pericárdico significativo após 01 mês do IAM).
A idade média dos pacientes foi de 59 anos, sendo 81% homens. Diabetes foi observado em 13% dos pacientes e hipertensão arterial sistêmica, em 40%.
71% dos pacientes tiveram IAM com supradesnivelamento do segmento ST, sendo 87% classificado como Killip I à admissão. 185 pacientes (76%) não apresentaram alteração da contratilidade segmentar na fase aguda.
Após 30 dias do IAM, metade dos pacientes apresentava sintomas (Classe funcional > ou igual a II) e a terapia medicamentosa estava otimizada em 95.5% dos casos.
A FEVE média foi de 54.5%, enquanto que o strain global longitudinal (GLE) foi de 15.8%.
Quanto aos parâmetros de trabalho miocárdico, as médias foram: GWI 1731 mmHg%, GCW 1844 mmHg%, GWW 131 mmHg% e GWE 91.2%.
Após um seguimento médio de 681 dias, eventos cardíacos maiores ocorreram em 26 pacientes (10.7%), entre os quais morte por causa cardiovascular em 4 pacientes (1.6%), insuficiência cardíaca em 10 pacientes (4.1%) e 12 pacientes (4.9%) foram submetidos a revascularização não planejada.
Esses pacientes eram mais velhos (65.4 x 58.1 anos, P = 0.005), com maior prevalência de hipertensão arterial (65.4% x 36.2%, P = 0.004), com pior função ventricular esquerda pela FE (P = 0.07), pior SGL (P = 0.003) e parâmetros de trabalho miocárdico (P = 0.08 para GWI, P = 0.09 para GCW e P = 0.01 para GWE).
A presença de hipertensão arterial [HR (95% CI): 2.72 (1.20–6.19), P = 0.02], acidente vascular encefálico prévio [HR (95% CI): 5.63 (1.28–24.7), P = 0.04] e GWE reduzido (β+SE; −0.05+0.02, P = 0.02) foram parâmetros independentes associados à eventos maiores.
O ponto de corte do GWE considerado como marcador foi < 91%, com pacientes apresentando menor sobrevida livre de eventos [HR (95% CI) = 2.94 (1.36–6.35), P = 0.0041].
A análise adicional das curvas de sobrevida (Kaplan-Meier) baseadas no GWE médio demonstrou que pacientes com GWE < 93% tiveram pior prognóstico [HR (95% CI) = 2.66 (1.16–6.11), P = 0.01].
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.