Diante de uma valvopatia qualquer, a resposta adaptativa da função ventricular é fator determinante para o prognóstico imediato e tardio, surgimento de sintomas e, finalmente, para a decisão terapêutica, seja ela cirúrgica, intervencionista ou clínica.
Na tomada da decisão terapêutica, critérios clássicos são utilizados para a indicação ou não de uma abordagem mais invasiva e o surgimento se sintomas é um grande marco na história natural de uma valvopatia.
Ainda, além da presença de sintomas, existem fatores complicadores, classicamente descritos nas diretrizes, que também são utilizados como guia para a decisão terapêutica.

No caso da insuficiência aórtica (IAo), além dos sintomas, os fatores complicadores são disfunção ventricular com fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo < 50%, aumento do diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo assim como do diâmetro sistólico final.
É verdade, porém, que muitas vezes esses achados só são identificados em fases mais avançadas da valvopatia, negligenciando um conceito fundamental: a fibrose miocárdica acompanhada de disfunção sistólica irreversível pode ocorrer ainda na fase assintomática e mesmo em pacientes compensados.
Não à toa, mesmo após uma intervenção cirúrgica alguns pacientes evoluem com desfechos desfavoráveis.
Nesta fase, a utilização de métodos e testes diagnósticos complementares devem ser empregados dada a capacidade de detecção de disfunção sistólica subclínica, bem como pela capacidade de fornecer informações com impacto prognóstico.
- BNP ou NT pró-BNP: preditor de mortalidade e eventos cardiovasculares em pacientes em tratamento conservador;
- Ecocardiografia com estresse: capaz de avaliar reserva contrátil e desmascarar a disfunção ventricular esquerda em pacientes assintomáticos;
- Ressonância magnética cardíaca: detecção de fibrose miocárdica;
- Deformação miocárdica: detectar disfunção subclínica em pacientes com FE normal e predizer a progressão da doença em pacientes em tratamento conservador.
Nos pacientes com IAo em estágio inicial e compensada, o volume regurgitante é acomodado pela hipertrofia excêntrica, com complacência ventricular, estresse parietal, débito cardíaco e FE preservados.
Nesta fase, o paciente permanece assintomático, mas os parâmetros de deformação podem estar diminuídos, indicando disfunção subclínica. A diminuição do strain global longitudinal (SGL) é um achado indicativo de progressão da alteração miocárdica, mas aqui ainda temos o strain circunferencial dentro da normalidade.
Quando o remodelamento ventricular e a dilatação progridem, o estresse parietal aumenta, com diminuição da complacência e elevação das pressões de enchimento, desencadeando a ação fibroblástica (que resultará em fibrose), dando início à disfunção sistólica e diastólica.

Essa transição é lenta e, no começo, o paciente permanece assintomático, mas na fase final ocorrem sintomas de insuficiência cardíaca, como dispneia e fadiga.
O SGL do VE, neste cenário, é preditor de mortalidade (risco relativo 1,62) quando < 19%.

Nas formas mais avançadas, ou seja, com a progressão da doença, há também redução do strain circunferencial e radial, indicando descompensação.

A análise do strain do átrio esquerdo (AE) também é passo importante na avaliação desses pacientes.

O strain do AE, fase de reservatório, diminuído associa-se a prognóstico adverso e pode ser usado para a estratificação de risco em pacientes com IAo.

Portanto, na presença de FE preservada, temos dois fenótipos possíveis quando a avaliação é realizada com strain:
- SGL reduzido + Strain Circunferencial preservado: disfunção subclínica, fase compensada;
- SGL reduzido + Strain Circunferencial reduzido: fase descompensada.
Quando temos um paciente com IAo crônica e fração de ejeção < 50%, estaremos diante de uma fase descompensada, ou seja, redução tanto do SGL quanto do strain circunferencial, contudo se a torção apical estiver preservada, ainda temos uma disfunção reversível.
A perda do mecanismo de rotação apical, contudo, indica grau avançado de disfunção e um estado irreversível mesmo após a troca valvar aórtica.

Um conceito importante que deve ser lembrado é que, após a troca valvar aórtica, o esperado é que haja uma diminuição do strain circunferencial e radial com recuperação após o sexto mês de pós-operatório (Becker M et al. JASE 2007, 20:681-689).

Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
faltou somente a demonstração dos Strain radial e da torção apical neste artigo
muito bom o artigo