Como já sabemos, a dinâmica atrial engloba três diferentes fases do ponto de vista mecânico e que modulam o enchimento ventricular esquerdo: reservatório, conduto e bomba.
O strain do átrio esquerdo (AE) deve ser analisado preferencialmente pela técnica de speckle-tracking. Para tal, as bordas endocárdicas do AE são traçadas de forma manual ou automaticamente, através de uma imagem ecocardiográfica de boa qualidade e com frame rate entre 50-90 frames/s.
A presente diretriz reforça que as imagens devem ser capturadas nas janelas apicais 4C e 2C, não encurtadas, muito embora a análise apenas através da janela apical 4C possa ser realizada de forma útil. A utilização de um software dedicado para este tipo de análise deve ser a regra.
Existem duas formas diferentes, do ponto de vista temporal (ciclo cardíaco), de realizar a análise do strain do AE:
1- Marcação na onda R do complexo QRS (R-R gating) com a medida de dois pontos, sendo o primeiro no final da sístole ventricular (fechamento da valva aórtica) correspondendo à fase de reservatório (LASr); e o segundo, mais tardiamente, correspondendo à fase de contração (LASct). A diferença entre LASr e LASct representa a fase de conduto (LAScd) – Figura 14A e 14C. A maior parte dos estudos utilizam esta padronização;
2- Marcação na onda P (P-P gating), com a primeira deformação correspondendo à fase de LASct e a segunda, à LASr. Aqui, o pico da deformação equivale à fase de conduto – Figura 14B e 14D. Este tipo de marcação não pode ser aplicado no contexto de fibrilação atrial.
A análise do strain do AE já está amplamente validada, contudo apresenta algumas limitações, sendo uma delas a dificuldade técnica para a medida do strain no teto desta cavidade, sofrendo interferência da saída das veias pulmonares na janela apical 4C e do apêndice atrial esquerdo, quando este está dilatado, na janela apical 2C. Porém, de forma geral, o traçado da região de interesse é fácil e chega a ser factível em até 94% das vezes (em análise com indivíduos saudáveis).
FIBRILAÇÃO ATRIAL:
A fibrilação atrial (FA) se associa com maior risco cardioembólico, insuficiência cardíaca e custos significativos em saúde pública. O aumento do AE é um marcador clássico, sendo preditor do desenvolvimento desta arritmia. Contudo, como sabemos, as alterações estruturais são precedidas por alterações funcionais e, essas sim, podem ser detectadas pelo strain.
Em pacientes com insuficiência cardíaca (IC), por exemplo, o strain do AE pode ser aplicado como preditor de desenvolvimento de FA. Já em pacientes com dispositivos cardíacos implantáveis tipo marcapasso, o tamanho do AE, o strain e a condução eletromecânica são parâmetros que se associam com o desenvolvimento de FA.
Naqueles em terapia com ressincronizador, alterações no strain do AE foram preditores de FA aguda.
Em relação à análise de recorrência de FA após controle de ritmo, seja por cardioversão ou ablação por cateter, o strain também de mostrou como um forte preditor de recorrência, bem como forte preditor de remodelamento reverso do AE. É verdade que, em razão da variabilidade de softwares utilizados nos estudos, não há um ponto de corte definido para o LASr para estratificar o risco de recorrência desta arritmia após ablação.
ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO CRIPTOGÊNICO:
Nos pacientes com acidente vascular encefálico (AVE) isquêmico, em até 1/4 dos casos a etiologia do evento permanece desconhecida no momento da alta hospitalar. Nestes, a presença de FA paroxística pode ser uma causa importante e o LASr já foi documentado como preditor de FA nos pacientes com AVE criptogênico.
Pagola et al., demonstrou que o strain do AE pode predizer FA paroxística em relação a um período de 03 anos de monitorização pelo Holter.
DISFUNÇÃO DIASTÓLICA e ICFEp:
O AE não é simplesmente uma câmara de transporte passivo, mas sim uma estrutura cardíaca altamente dinâmica e que responde com o estímulo de estiramento para proteger a circulação pulmonar de regimes de altas pressões.
Por esta razão, o AE desempenha papel fundamental na IC aguda, disfunção diastólica e insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEp).
O tamanho do AE representa a face crônica do aumento das pressões de enchimento e se associa a pior prognóstico no cenário de IC. O LASr tem sido proposto como uma ferramenta alternativa na avaliação das pressões de enchimento e apresenta forte correlação com a tolerância aos exercícios, bem como com os níveis de NT-proBNP.
Portanto, o LASr é um parâmetro poderoso e independente de prognóstico nos pacientes com ICFEp. Em um estudo prospectivo unicêntrico com 139 pacientes, LASr < 23% apresentou o maior valor preditivo em relação a estimativa invasiva das pressões de enchimento pelo cateterismo cardíaco.
Em outro estudo, multicêntrico e com 322 pacientes, um LASr < 18% foi determinado como ponto de corte ótimo para determinar pressões de enchimento elevadas. Este valor, inclusive, foi considerado pelos autores da presente diretriz como referência, com boa sensibilidade e especificidade, para determinar aumento das pressões de enchimento.
De forma geral, os valores recomendados para o strain do AE pela diretriz sao:
- Reduzido quando < 23%
- Limítrofe quando entre 23-30%
- Normal quando > 30%
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
