Falamos recentemente aqui no blog sobre as aplicações do strain do ventrículo esquerdo na insuficiência aórtica (IAo) crônica. Agora trago um estudo sobre o impacto prognóstico do strain do átrio esquerdo (AE) em pacientes com IAo por valva aórtica (VAo) bicúspide.
As consequências funcionais relacionadas a IAo crônica não afetam somente o ventrículo esquerdo (VE), mas também são responsáveis pelo remodelamento atrial com impacto funcional.
E qual seria, então, o significado de um strain do átrio esquerdo (AE) nesse contexto?
Estudo prospectivo com 809 pacientes portadores de VAo bicúspide e regurgitação aórtica avaliados entre fevereiro de 2018 e novembro de 2022 em um centro hospitalar na China.
Os critérios de inclusão foram (1) idade > 18 anos e (2) IAo moderada a importante ou importante. Pacientes com (1) IAo importante secundária à dissecção aórtica, trauma ou endocardite infecciosa, (2) estenose aórtica, mitral ou tricúspide > moderada, (3) insuficiência aórtica, mitral ou tricúspide > moderada, (4) doença congênita cardíaca complexa ou doença carcinoide, e (5) imagem ecocardiográfica desfavorável foram excluídos.
Dilatação do AE foi considerada quando volume indexado > 34 ml/m² e a regurgitação valvar foi classificada como “sem”, “leve”, “moderada”, “moderada a importante” e “importante”. As graduações “moderada a importante” e “importante” foram denominadas como IAo “significativa”.
Em relação ao strain do AE, uma redução da função atrial esquerda foi definida como um strain de reservatório < 24%.
O desfecho primário foi um composto de mortalidade por todas as causas, insuficiência cardíaca (IC), hospitalização e reparo/troca valvar aórtica. Quando um mesmo paciente evoluísse com > 1 desfechos, o primeiro desfecho apresentado por ele foi o considerado para a análise estatística.
Ao final, foram avaliados 220 pacientes (idade média 49 anos), sendo 79.5% do sexo masculino.
O strain de reservatório (LARs) do AE médio foi de 27.05% (22.4% – 30.84%), enquanto que o strain global longitudinal (SGL) médio foi de 18.20% (17.11% – 18.9%). Já a fração de ejeção (FE) do VE foi 62.6%.
Uma redução do LARs (<24%) foi observada em 74 pacientes (33.6%) e estes pacientes eram mais velhos e frequentemente apresentavam sintomas com classe funcional (NYHA) ≥ II.
Comparando com pacientes com LARs ≥ 24%, aqueles com redução do strain do AE tinham maiores dimensões do VE, volume indexado do AE aumentado, bem com diâmetros maiores de aorta ascendente e maiores relações E/A e E/e´, além de menores FE do VE e SGL.
Após um seguimento médio de 364 dias, 46 pacientes (20.9%) evoluíram com desfecho composto: 2 (0.9%) morreram, 23 (50%) foram submetidos a reparo/troca valvar aórtica, 4 (17.4%) realizam procedimento de raiz de aorta associado.
Esses pacientes estavam em CF ≥ II, tinham maiores índice de massa ventricular esquerda, maiores dimensões do VE e maiores volumes indexados do AE comparados com aqueles sem desfecho primário.
Ainda, aqueles que apresentaram desfecho primário tinham menores FE do VE, SGL e LARs.
Pacientes com LARs < 24% apresentaram pior prognóstico, com maiores taxas de eventos comparados com aqueles com LARs ≥ 24% (39.2% x 11.6%, P < 0.001).
Tanto o LARs (IC 95%, HR: 0.84: 0.81 – 0.88, P < 0.001) quanto o LARs < 24% (IC 95%, HR: 3.47: 1.89 – 6.36, P < 0.001) foram significativamente associados à presença de desfecho composto.
Idade (IC 95%, HR: 1.03: 1.01 – 10.6, P = 0.010), volume diastólico final indexado do VE (IC 95%, HR: 1.02: 1.01 – 1.03, P = 0,001), FEVE (IC 95%, HR: 0.93: 0.90 = 0.97, P < 0.001) e SGL do VE (IC 95%, HR: 0.78: .072 – 0.84, P < 0.001) também se associaram à presença de desfecho composto.
Em razão da forte correlação das variáveis FEVE e SGL do ventrículo esquerdo (r = 0.74, P < 0.001), foram realizadas duas análises multivariada incluindo variáveis clínicas, redução do LARs e a presença de algum parâmetro de função sistólica do VE.
Classe funcional ≥ II (95% IC, HR 2.22: 1.02 – 4.84, P = 0.045), SGL (95% IC, HR: 0.87: 0.79 – 0.97, P = 0.009) e LARs (IC 95%, HR: 1.05 – 4.11, P = 0.036) se mantiveram relacionados à presença de desfecho composto, enquanto que idade e volume diastólico final indexado do VE não.
O strain do AE fase de reservatório aumentou significativamente o goodness of fit do modelo preditor (P = 0.037).
Isso indica que a redução do LARs foi um parâmetro preditor incremental de desfecho composto mesmo após ajuste para outros parâmetros preditores clínicos.
Os achados principais do estudo, segundo os autores, são:
- Redução do LARs é um achado comum entre pacientes com IAo crônica por VAo bicúspide;
- Pacientes com LARs reduzido (< 24%) apresentam maior risco de desfecho composto;
- A redução do LARs se correlaciona com desfecho composto independentemente da presença de outras variáveis clínicas ou ecocardiográficas.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.