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Strain do Átrio Esquerdo na Fibrilação Atrial com CHA2DS2-VASc baixo: refinando a estratificação de risco

O acidente vascular encefálico (AVE) continua sendo uma das principais causas de morbimortalidade no mundo e, portanto, necessita de estratégias precisas para a estratificação de risco. Como de conhecimento, o escore CHA2DS2-VASc auxilia na tomada de decisão para a terapia anticoagulante nos pacientes com fibrilação atrial (FA), uma importante causa de AVE.

Baseado na presença de fatores de risco, o risco de embolia sistêmica aumenta à medida em que este escore também aumenta, sendo o histórico de evento embólico prévio e a idade avançada fatores que conferem um risco adicional.

J Am Soc Echocardiogr 2025;38:1090-8

Contudo, os pacientes com CHA2DS2-VASc baixo, como aqueles com 0 e 1, não necessariamente estão isentos de risco para um evento embólico, especialmente se há existe algum grau de disfunção do átrio esquerdo (AE).

Como as variáveis que compõem esse escore são essencialmente marcadores clínicos, o CHA2DS2-VASc pode não identificar de forma precoce aqueles pacientes com remodelamento atrial.

A análise do strain do AE, então, teria espaço neste contexto e aumentaria a capacidade de estratificação do risco de eventos cardioembólicos nestes pacientes?

J Am Soc Echocardiogr 2025;38:1090-8

Trago um resumo desta revisão recentemente publicada no JASE para avaliar, à luz das evidências atuais, o papel prognóstico do strain do AE para a estratificação de risco de AVE.

Só para recordarmos, a função atrial esquerda é classicamente dividida em 03 diferentes fases:

Assim sendo, a análise do strain do AE, através das fases de reservatório, conduto e bomba, fornece informações detalhadas sobre a complacência, contratilidade e função de forma geral desta cavidade.

J Am Soc Echocardiogr 2025;38:1090-8

Como já mencionado, o escore CHA2DS2-VASc não contempla a avaliação funcional do AE, sendo a disfunção atrial esquerda um marco importante na fisiopatologia do tromboembolismo, seja pela ocorrência de (1) estase sanguínea no AE e no apêndice atrial esquerdo, (2) disfunção endotelial e/ou (3) pelo estado de hipercoagulabilidade resultante da diminuição da função do AE.

Apesar de o aumento do AE já ter se mostrado como sendo um importante fator de risco para tromboembolia, alterações mecânicas do átrio esquerdo ocorrem antes que haja alterações estruturais propriamente ditas. Zhao et al., por exemplo, demonstrou disfunção contrátil dos cardiomiócitos, tanto do AE quanto do átrio direito (AD), com notáveis alterações da homeostase do cálcio, comprovando a disfunção atrial esquerda antes da presença de alterações estruturais.

À medida em que essa disfunção continua, as funções reduzidas de reservatório, conduto e de bomba levam a uma diminuição da capacidade de esvaziamento. Com o aumento do tempo em que o sangue permanece dentro do AE, e associado ao efeito pró inflamatório da disfunção celular, ocorre o processo de disfunção endotelial.

Posteriormente, a disfunção endotelial e o uma atividade pró inflamatória exacerbada não só diminui cada vez mais a capacidade de esvaziamento do AE, como também aumenta da distensão das paredes, sendo estímulo para o processo de fibrose. Nesta fase, passa a ocorrer uma ativação da cascata de coagulação e propensão à formação de trombos.

J Am Soc Echocardiogr 2025;38:1090-8

Esse remodelamento expõe a fibrose e a disfunção do AE e essas alterações também se associam a uma velocidade reduzida de esvaziamento do fluxo no apêndice atrial esquerdo, aumentando a prevalência de trombo nesta estrutura.

Portanto, a disfunção atrial esquerda (ou também miopatia atrial esquerda) ocorre em fase mais precoce, antes que haja a dilatação cavitária propriamente dita.

Tanto que Guan et al., utilizando o Doppler tissular, demonstrou que a taxa de deformação atrial esquerda (LAS rate) foi capaz de detectar disfunção diastólica leve enquanto que o volume indexado do AE não demonstrou diferença significativa entre os indivíduos avaliados.

O strain do AE, por sua vez, quando aplicado em uma análise com pacientes hipertensos (n = 95), em comparação com controles não hipertensos (n = 29), mostrou uma fase de reservatório reduzida (média 29.78 ± 6.08% x 34.78 ± 7.37%), assim como uma fase de conduto (média, 14.23 ± 4.59% x 19.66 ± 7.29%) naqueles com hipertensão arterial.

Em outro estudo com 286 pacientes hipertensos, Zhao et al., documentou uma tendência de aumento gradual da rigidez atrial pelo índice de rigidez atrial (E/e´ dividido pelo LASr).

Uma análise prospectiva com 580 japoneses adultos sem histórico de arritmia atrial mostrou que um LASct reduzido foi o único fator preditor independente de FA, com sensibilidade de 88% e especificidade de 81%.

Houser et al., conduziu um estudo longitudinal prospectivo para avaliar o valor prognóstico do strain do AE em predizer o desenvolvimento de FA. Foram avaliados 3.590 participantes sem histórico de FA. Durante um seguimento médio de 5.3 anos, aproximadamente 4% dos pacientes evoluíram com FA. Nestes, o LASr e o LASct foram preditores independentes e significativamente associados com o surgimento de FA (HR 1.05 e 1.08, respectivamente).

Em estudo retrospectivo com 2.461 pacientes com insuficiência cardíaca (IC) e em ritmo sinusal, Part et al., avaliou o papel prognóstico do strain do AE para estratificar risco de AVE na ausência de FA. O resultado mostrou que pacientes com LASr >14.5% apresentaram uma taxa livre de AVE em 05 anos de 96 ± 0.7% comparado com uma taxa de 91.4 ± 1.4% entre aqueles com LASr < 14.5%. Um strain de AE fase de reservatório < 14.5%, portanto, se associou com um maior risco de AVE, com incidência anual de 2.38% nesta população.

Mannina et al., realizou um seguimento médio de 10.9 anos de 806 pacientes sem passado de AVE ou FA. Evento isquêmico ocorreu em 6.6% dos participantes e aqueles com LASr no menor quintil apresentaram um risco significativamente maior de AVE.

Um estudo prospectivo com 92 pacientes (idade média de 77.5 ± 7.7 anos, sendo 58% do sexo feminino) avaliou o valor prognóstico do strain do AE em predizer recorrência de AVE e mortalidade em pacientes com AVE criptogênico. Após um seguimento médio de 28 meses, 16% dos pacientes apresentaram recorrência de AVE ou morte. Este grupo apresentou uma redução significativa do LASr (21 ± 7% x 28.8 ± 11%, P = 0.017) e do LAScd (7.7 ± 3.9% x 13.7 ± 7%, P = 0.007). Na análise multivariada, LASr permaneceu como um preditor independente de desfecho primário (HR, 0.90;95%IC: 0.85-0.99, P = 0.048).

Neste estudo, quando utilizado um ponto de corte < 23% para o LASr, foi documentado um aumento de risco significativo para recorrência de AVE ou morte (P = 0.009).

Bhat et al., também demonstrou que o LASr e o LASct se associaram com uma maior taxa de recorrência de AVE em pacientes com ataque isquêmico transitório (AIT).

Já em pacientes portadores de FA, uma meta-análise com 06 estudos e um total de 3.587 pacientes, dentre os quais 10.1% tinham histórico de AVE ou AIT, um LASr reduzido se associou de forma significativa com um risco aumentado de AVE (OR, 0.88;95%IC: 0.81-0.96, P = 0.005).

Em estudo retrospectivo cuja finalidade foi investigar o papel do strain do AE como marcador de risco (AVE e AIT) em pacientes com FA e CHA2DS2-VASc baixo (≤1), mostrou aqueles pacientes com AVE ou AIT apresentavam menor fração de ejeção, maiores dimensões e volumes do AE. Ainda, tanto o LASct (3.2 ± 1.2% x 6.9 ± 4.2%) quanto o LASr (14 ± 11% x 25 ± 12%) eram significativamente reduzidos neste subgrupo.

Maheshwari et al., avaliou se a incorporação da análise da função atrial esquerda às variáveis do escore CHA2DS2-VASc poderia melhorar a capacidade em predizer AVE. Nesta análise, valores de strain do AE (LASr, LAScd e LASct) nos quintis inferiores se associaram com uma incidência cumulativa em 05 anos de 2.99% (para LASr), 3.18% (para LAScd) e 2.15% (para LASct). O LASr se mostrou como o marcador mais importante preditor de AVE.

J Am Soc Echocardiogr 2025;38:1090-8

Todos esses estudos, assim, mostram a importância do strain do AE como uma ferramenta potencial na estratificação de risco de AVE, particularmente naqueles indivíduos com baixo CHA2DS2-VAsc.

O documento ressalta que até que estudos prospectivos possam estabelecer pontos de corte, o strain do AE deve ser considerado apenas como uma ferramenta complementar na tentativa de refinar a estratificação e identificar aqueles pacientes sob maior risco de AVE, mesmo que em ritmo sinusal.

J Am Soc Echocardiogr 2025;38:1090-8

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