A sarcoidose é uma doença granulomatosa multissistêmica, ainda de etiologia desconhecida, caracterizada pela formação de granulomas não caseosos em vários órgãos.
O envolvimento cardíaco pode ser causa de insuficiência cardíaca (IC), bloqueios atrioventriculares e arritmias ventriculares de prognóstico reservado (morte súbita).
O grade desafio da sarcoidose cardíaca é o seu diagnóstico. O eletrocardiograma e ecocardiograma, exames práticos e de ampla disponibilidade, apresentam maior capacidade diagnóstica nos pacientes com doença já clinicamente manifesta (e a maior parte dos pacientes apresenta acometimento cardíaco na forma subclínica).
Apesar dos avanços tecnológicos dos métodos de imagem (ressonância magnética, tomografia por emissão de pósitrons – 18F-FDG-PET), a carência de estudos comparando os diferentes métodos com o padrão ouro (biópsia endomiocárdica) faz com que o diagnóstico do envolvimento cardíaco ainda seja um grande desafio nos dias atuais.
Dada a baixa sensibilidade da biópsia endomiocárdica pela natureza focal da doença, apenas em 25% dos pacientes submetidos a este procedimento são identificados granulomas não caseosos. Portanto, as principais diretrizes estabelecem uma via alternativa, não dependente da análise histopatológica, para diagnosticar sarcoidose cardíaca: pacientes com diagnóstico histopatológico de sarcoidose extra cardíaca, com alterações estruturais miocárdicas compatíveis com esta doença que não possam ser explicadas por outras etiologias, infere-se envolvimento miocárdico pela sarcoidose.
O ecocardiograma geralmente é o primeiro exame de imagem solicitado. De forma geral, encontra-se alterado nos pacientes sintomáticos, mas comumente normal em indivíduos com a forma silenciosa da doença.
Os achados são variáveis, incluindo aumento da espessura da parede ventricular pela presença de áreas focais de edema ou infiltração granulomatosa. Em fases mais avançadas, a presença de afilamentos na parede miocárdica, mais comumente na região septal (porção basal), alterações da contratilidade segmentar como acinesia, discinesia ou até mesmo aneurisma são observados.
As regiões mais comumente afetadas são a parede livre do ventrículo esquerdo (VE) e o septo interventricular.
A fração de ejeção pode estar reduzida ou preservada, com graus variados de disfunção diastólica.
No entanto, diferentemente da fração de ejeção reduzida, a alteração da função diastólica até o momento não participa dos critérios diagnósticos para sarcoidose cardíaca.
Quando comparado com exames de imagem avançada (RM e F-FDG-PET), o ecocardiograma possui sensibilidade limitada. EM estudo com 321 pacientes com diagnóstico histopatológico da sarcoidose cardíaca, a avaliação ecocardiográfica apresentou sensibilidade diagnóstica inferior a 30%.
O uso de técnicas como speckle tracking parece melhorar a sensibilidade do ecocardiograma em identificar lesão miocárdica por sarcoidose, com alguns trabalhos evidenciando redução do strain global longitudinal (SGL) em pacientes com sarcoidose, FE normal e evidência de lesão miocárdica para TC com emissão de pósitrons e RM.
Na avaliação de 23 pacientes com sarcoidose cardíaca, comparada com grupo controle, o SGL foi de –15,9% ± 2,5% x −18,2% ± 2,7%. A piora deste parâmetro também esteve associada ao desenvolvimento de insuficiência cardíaca e internação hospitalar.
Ainda, o ecocardiograma é importante na avaliação de alterações secundárias à doença pulmonar grave pela sarcoidose, como pressão da artéria pulmonar e alterações do ventrículo direito (VD).
Vamos, então de caso clínico?!
Homem, 54 anos, com histórico de hipertensão arterial sistêmica (HAS) controlada, apresenta-se com queixa de fadiga há algumas semanas, implicando em limitação funcional para a sua rotina diária.
Praticante de corrida de rua, com treinos diários de 5-8 milhas, notou cansaço precoce e desproporcional, com necessidade de interromper as corridas e tolerar apenas caminhadas.
Ao exame, pressão arterial de 162 x 109 bpm e frequência cardíaca em repouso de 145 bpm. Ausculta pulmonar normal, porém com presença de ritmo cardíaco irregular à propedêutica cardiovascular.
Eletrocardiograma com ritmo irregular, com QRS alargado (padrão de bloqueio de ramo direito).
Exames laboratoriais, inclusive com dosagem de troponina, foram normais. O paciente recebeu Metoprolol IV e evoluiu para ritmo sinusal (figura B).
Ecocardiograma demonstrou disfunção ventricular esquerda de grau moderado e presença de acinesia anterior, anterosseptal, anterolateral e apical.
Paciente foi, então, submetido a cineangiocoronariografia cujo resultado descartou doença arterial coronariana obstrutiva grave.
RM cardíaca revelou realce tardio extenso no VE e parede livre do ventrículo direito (VD) com disfunção biventricular severa.
TC com emissão de pósitrons evidenciou defeito perfusional de grande extensão, em repouso, nas paredes anterior, apical e inferosseptal (segmento basal) do VE.
A análise com 18F-FDG-PET demonstrou captação nas mesmas regiões (figura 4A), levando a suspeita diagnóstica de sarcoidose cardíaca.
O paciente foi submetido a implante de cardiodesfibrilador implantável (CDI) e recebeu alta com amiodarona e terapia direcionada para insuficiência cardíaca, assim como prednisona 60mg/dia.
Após 4 meses, o paciente foi readmitido por episódios recorrentes de taquicardia ventricular. Novo 18F-FDG-PET mostrou completa resolução da captação previamente documentada (figura B). Contudo, ecocardiograma mostrou persistência das alterações segmentares e da disfunção ventricular.
O paciente foi, então, submetido à ablação por taquicardia ventricular recorrente. Durante o seguimento, até então, o paciente permanece sem queixas, ainda em doses baixas de prednisona e novo controle tomográfica após 9 meses mantendo padrão de remissão da doença.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.