Por aqui já falamos bastante sobre o prolapso de valva mitral (PVM) e a associação deste achado com arritmias ventriculares, quando na presença prolapso de ambos os folhetos, disjunção do anel mitral e onda S com pico sistólico elevado ao Doppler tissular (não lembra, então é só clicar aqui e aqui).
Mas e sobre o prolapso da valva tricúspide (VT) ?! Pouco se fala sobre esta alteração dada sua baixa incidência, que pode ser atribuída à dificuldade de visualização pelo ecocardiograma transtorácico ou pela falta de padronização de critérios para seu diagnóstico (ou um pouco de cada?!).
As alterações estruturais congênitas da valva tricúspide são denominadas de displasia congênita da valva tricúspide. Neste grupo, a anomalia de Ebstein é, sem dúvida, a alteração congênita mais conhecida, contudo outras alterações podem estar presentes. Dentre elas, alterações dos folhetos valvares (prolapso, por exemplo), da cordoalhas tendíneas (agenesia parcial de cordoalhas) ou do músculo papilar (hipoplasia).
Em uma tentativa de padronizar este achado, o critério diagnóstico definido como um “desabamento” do folheto (ou ambos) de 2 mm do plano do anel valvar foi proposto em Characteristics and Significance of Tricuspid Valve Prolapse in a Large Multidecade Echocardiographic Study. Após análise de estudos ecocardiográficos prévios, a melhor janela para a visualização foi a paraesternal longitudinal eixo curto (apesar da alta divergência diagnóstica entre diferentes médicos).
Para deixar mais atrativo, vou trazer de forma resumida dois casos (retirados da internet) de prolapso de VT, cada qual com suas particularidades. Vamos nessa?
CASO 1: homem de 65 anos, vítima de parada cardiorrespiratória (PCR), em ambiente extrahospitalar, por fibrilação ventricular, trazido ao pronto socorro após retorno à circulação espontânea, porém mantendo rebaixamento de nível de consciência e com achados tomográficos compatíveis com encefalopatia hipóxica.
Ecocardiograma realizado durante internação em UTI demonstrou função biventricular preservada, diâmetros cavitários normais, contudo com achado de valva mitral com aspecto mixomatoso, com prolapso de ambos os folhetos, com refluxo moderado, além de disjunção do anel mitral (MAD) e Doppler tissular do anel lateral com pico de onda S de 17 cm/s.
Ainda, foi observado a presença de prolapso da valva tricúspide e folhetos valvares com aspecto mixomatoso. Ainda, após cuidadosa avaliação, notou-se disjunção do anel tricúspide (TAD), além de regurgitação valvar moderada.
As implicações clínicas do prolapso da valva tricúspide e de TAD ainda são incertas e parece não se associar à arritmias ventriculares, tal qual como ocorre com o PVM e MAD.
CASO 2: homem de 44 anos com queixa de dispneia, sudorese e palpitações. Referiu que aos 7 anos de idade foi diagnosticado com sopro cardíaco, contudo não realizou complementação diagnóstica para definição etiológica. Ao realizar ecocardiograma transtorácico, foi observado refluxo tricúspide importante secundário a um prolapso descrito como “maciço” do folheto posterior. Além disso, notava-se aumento das câmaras direitas, porém com função sistólica do VD preservada (FAC 50%).
Realizado estudo transesofágico para melhor avaliação destes achados.
Ao realizar o estudo pelo método em 3D foi confirmado o prolapso “maciço” da valva tricúspide, contudo não do folheto posterior, mas do anterior. Isso reforça a dificuldade de analisar o prolapso da VT ao estudo 2D, sendo o recurso tridimensional uma importante ferramenta para este diagnóstico.
Durante a abordagem cirúrgica, foi observada a ausência de cordoalhas tendíneas do folheto anterior da VT.
Para finalizar, imagens de um exame realizado recentemente por mim com presença de prolapso de valva tricúspide:
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.