Ícone do site Blog Ecope

MAC e Fenômeno Tromboembólico: tudo é possível!

A calcificação do anel mitral (MAC – Mitral Annular Calcification), achado cada vez mais frequente com o envelhecimento populacional, costuma ser um cenário bastante desafiador quanto ao manejo clínico, sobretudo se associada à disfunção valvar.

Além da distorção anatômica em si, por ser habitualmente uma doença de pacientes idosos, as comorbidades associadas destes pacientes normalmente costumam ser um fator complicador a mais, restringindo muitas vezes as opções terapêuticas.

Ainda, a presença de MAC pode ser o fator precipitante de outras complicações, a citar eventos cardioembólicos.

Uma série de estudos já demonstrou que a presença de MAC, à ecocardiografia, pode se associar a uma incidência significativamente maior, comparando pares de mesma faixa etária e sexo, de eventos cerebrovasculares.

Em achados, a partir da coorte de Framingham, a calcificação do anel mitral se mostrou ser um fator independente associado a um risco aumentado de acidente vascular cerebral (risco relativo = 2.1), com mecanismo cardioembólico observado em 67% dos casos.

Esses achados também são consistentes com dados de autópsias de 1.342 pacientes em que 11% dos pacientes com MAC tinham embolia calcífica para o sistema nervoso central documentada.

Além da embolização de fragmentos de cálcio, a formação de trombo também pode existir, cujo mecanismo fisiopatológica poderia ser explicado pela presença de necrose, transformação caseosa e ulceração.

Aqui segue um caso do periódico case que pode exemplificar como essa associação (MAC + Trombo) pode ser perigosa:

Messiha et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports, 2023

Homem, 67 anos, portador de dislipidemia, doença arterial coronariana com passado de infarto agudo do miocárdio, com evolução para miocardiopatia isquêmica.

Admitido no pronto socorro com déficit neurológico focal, de início recente. Apresentava-se taquicárdico (FC 101 bpm) e com pressão arterial de 185 x 119 mmHg. Exames de imagem (TC, ressonância magnética e angioressonância) demonstraram infartos lacunares em territórios vasculares distintos, sugerindo etiologia cardioembólica.

Ecocardiograma transtorácico com ventrículo esquerdo (VE) de diâmetros normais e função sistólica reduzida de grau leve (FE Simpson 48%), além de alteração segmentar nos segmentos basais e médios do septo e parede inferior.

Havia também calcificação focal do anel valvar posterior e presença de uma massa móvel, ecogênica, medindo 2.9 x 1.0 cm, adjacente à calcificação do anel posterior, aderida ao aparato subvalvar.

Os folhetos valvares não estavam envolvidos e apresentavam aparência habitual, com regurgitação valvar de grau leve e sem sinais de estenose (gradiente médio de 3 mmHg com FC 77 bpm, área valvar de 2.2 cm² pela equação de continuidade).

https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/11/mmc1.mp4

A avaliação laboratorial demonstrou marcadores de atividade inflamatória elevados, porém descartou doenças reumatológicas em atividade. Hemoculturas foram negativas. Fibrilação atrial não foi documentada pela telemetria.

Foi, então, iniciado terapia anticoagulante com infusão intravenosa de heparina e, dada a presença de evento cerebral isquêmico, indicado remoção cirúrgica da lesão documentada na ecocardiografia.

Cateterismo pré operatório não demonstrou doença arterial coronariana obstrutiva e o ecocardiograma transesofágico foi compatível com o estudo transtorácico, sem presença de trombos no átrio esquerdo ou apêndice atrial esquerdo.

https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/11/mmc2.mp4

Os achados intraoperatórios foram de calcificação extensa do anel valvar posterior e espessamento dos folhetos valvares. Foi observado uma massa de 3.0 cm na face ventricular do anel posterior da valva mitral, conectado ao aparato subvalvar. A resseção mecânica foi realizada sem maiores dificuldades e o estudo anatomopatológico confirmou se tratar de um trombo organizado.

Controle ecocardiográfico após 2 meses da cirurgia não evidenciou trombo residual e o paciente seguiu fazendo acompanhamento em uso de maravem (faixa de INR entre 2-3) por mais 3 meses.

As lesões trombóticas valvares podem ser observadas no lúpus eritematoso sistêmico, síndrome do anticorpo antifosfolípide e endocardite trombótica não bacteriana. Nesses casos, porém, as valvas aórtica e mitral normalmente estão acometidas (no caso citado, o acometimento foi do aparato subvalvar).

A presença de trombo relacionado à MAC não é comum. Eicher et al, em estudo com 182 pacientes com evento tromboembólico arterial, documentou que apenas 3 casos se associaram a calcificação do anel mitral. Nesse estudo, todos os 3 pacientes apresentaram uma massa (trombo) na face atrial da valva. Mohan et al, por sua vez, descreveu a presença de massa associada à MAC, presumidamente trombo, na face ventricular.

Essa avaliação, entretanto, pode ser bastante desafiadora, uma vez que a presença de cálcio pode interferir na qualidade da imagem (artefatos, sombra acústica), fazendo com que possíveis pequenos trombos possam passar facilmente despercebidos.

Sair da versão mobile