A elevada incidência de calcificação valvar em pacientes portadores de doença renal crônica (DRC) e que fazem terapia renal substitutiva não é uma novidade na nossa prática clínica.
Na maioria das vezes, as lesões valvares nestes pacientes são adquiridas, resultantes das complexas alterações metabólicas (sobretudo do Cálcio e do Fósforo) presentes nesta população.
A prevalência de calcificação valvar em pacientes com DRC e em hemodiálise é em torno de 8 vezes maior quando comparado com a população geral. Ainda, a calcificação valvar nestes pacientes é detectada, em geral, 10 anos antes, ou seja, de forma muito precoce. E pior, quando presente, costuma progredir de forma mais rápida, levando com frequência a disfunção valvar e outras complicações, como doença coronariana, arritmias cardíacas e insuficiência cardíaca (afinal, trata-se de um distúrbio sistêmico).
Por ordem de frequência, o anel valvar mitral costuma ser mais acometido, seguido da valva mitral propriamente dita e da valva aórtica.
Até aqui, tudo bem! Vale lembrar, contudo, que uma forma menos frequente de acometimento cardíaco nesses pacientes se dá sob a forma de calcinose metastática, que também pode acometer as valvas cardíacas e as estruturas perivalvulares, levando a disfunção valvar, seja por estenose ou regurgitação.
Trago aqui um exemplo de um caso publicado no periódico CASE (link aqui) de como esta condição pode se manifestar.
Homem, 68 anos, com histórico de hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes (DM) e DRC, em terapia renal substitutiva há 02 anos por diálise peritoneal, foi encaminhado a um serviço de cardiologia por fadiga, fraqueza generalizada e episódios recorrentes de quedas. Ao exame físico, chamava atenção apenas a presença de um sopro diastólico em borda esternal direita.
Ecocardiograma demonstrou fração de ejeção de 45-50%, com aumento importante do volume diastólico final (261 ml) do ventrículo esquerdo (VE) e uma imagem cilíndrica hiperecogênica, medindo 3.4 cm x 0.9 cm, se projetando para a via de saída do VE a partir do folheto coronariano esquerdo da valva aórtica, com mobilidade independente, resultando em insuficiência aórtica moderada. Ainda, havia presença de calcificação do anel mitral.
Um detalhe interessante é que um ecocardiograma prévio, realizado pouco antes de iniciar o tratamento dialítico, não demonstrava esta lesão. À ocasião, a função ventricular esquerda era preservada, bem como os volumes intracavitários.
Após rastreio infeccioso, inclusive com hemoculturas seriadas, a hipótese de endocardite foi descartada e a presença de calcificação de vasos periféricos corroborou com a possibilidade diagnóstica de calcinose metastática.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.