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Gordura Epicárdica: um marcador cardiometabólico

A análise da gordura epicárdica, seja anatômica ou funcional, é tema de interesse sobretudo para aqueles que estudam estratificação de risco cardiometabólico. Por ser um depósito visceral de gordura, qual seria o impacto deste tecido na gênese de doenças metabólicas e cardiovasculares?

A gordura epicárdica é aquela que se situa entre o miocárdio e o pericárdio visceral. Aqui vale lembrar que existe também gordura pericárdica, uma condição distinta que se caracteriza pelo acúmulo de tecido adiposo na face externa do pericárdio visceral e que pode se estender até a face externa do pericárdio parietal.

Iacobellis, G. Nat. Rev. Endocrinol. 11, 363–371 (2015)

Portanto, a gordura epicárdica é aquela justaposta ao coração e pode ser comumente observada nos sulcos atrioventricular e interventricular. É verdade, porém, que este tecido adiposo também pode se expandir da superfície endocárdica para o interior do miocárdio.

É importante lembrar que este acúmulo de gordura localiza-se também ao redor das artérias coronárias em íntimo contato com a camada adventícia. Por essa contiguidade, e também pela ausência de fáscia muscular, a gordura epicárdica exerce efeito metabólico parácrino ou vasócrino no tecido miocárdico.

Assim sendo, é possível entender que este tecido possui ação metabólica ativa que pode agir de forma a proteger o tecido cardíaco, mas também exercer papel danoso e contribuir para a gênese ou acentuação de distúrbios cardiometabólicos.

Diferentemente de outros depósitos de gordura visceral, a gordura pericárdica possui alta capacidade lipogênica, com maior capacidade de liberação de ácido graxos livres. Esse metabolismo lipídico aumentado é um mecanismo importante de geração de substrato energético para o miocárdio.

Outro aspecto importante deste tecido é sua ação termogênica, agindo de forma semelhante ao tecido adiposo marrom, conferindo calor para o músculo cardíaco. Assim, a gordura epicárdica pode proteger o coração de uma diminuição abrupta da temperatura corporal ou durante estados hemodinâmicos desfavoráveis como isquemia ou hipóxia.

Ainda, confere proteção mecânica às artérias coronárias, atuando como uma espécie de “coxim”, diminuindo o impacto mecânico da torção induzida pela onda de pulso arterial e pela contração cardíaca.

Contudo, como nem tudo são flores, a gordura epicárdica é rica em genes associados à fatores pró-inflamatórios, função endotelial, sendo fonte secretora de diversas citocinas.

MedComm. 2023;4:e413. wileyonlinelibrary.com/journal/mco2

O equilíbrio entre a ação fisiológica (e protetora) deste tecido e suas propriedades fisiopatológicas é tido como “delicado” e susceptível a influência de fatores intrínsecos e externos que podem facilmente interromper esta homeostase.

Iacobellis, G. Nat. Rev. Endocrinol. 11, 363–371 (2015)

O aumento da gordura epicárdica é sabidamente associado à alterações estruturais cardíacas, como aumento da massa ventricular esquerda e alteração na geometria do ventrículo direito, podendo fazer com que haja um aumento da demanda miocárdica, levando a hipertrofia ventricular esquerda, por exemplo.

A infiltração adiposa no miocárdio também já foi relacionada distúrbios eletromecânicos.

Porém é no contexto das síndromes metabólicas que este tecido desperta interesse da comunidade médica. Sua associação com doença arterial coronariana, resistência insulínica e doença hepática gordurosa tem sido estabelecida ao documentar-se aumento da quantidade da gordura epicárdica.

A quantificação deste depósito gorduroso seria, então, um marcador de risco para distúrbios metabólicos sistêmicos e cardíacos? A reposta é que tudo indica que sim, contudo em termos práticos esta aferição tem papel limitado uma vez que a medida da circunferencial abdominal, por exemplo, é também um parâmetro consistente para estratificação de risco cardiovascular, muito mais acessível, barato e de fácil aplicação.

Certamente, aqui, o feixe de ultrassom não irá substituir a fita métrica, mas o ponto é que “já que estamos realizando um exame ecocardiográfico, esta medida pode ser utilizada como um dado adicional na avaliação do risco cardiovascular de um paciente”.

Desta maneira, recomenda-se a medida da espessura da gordura epicárdica no estudo bidimensional, sendo esta estrutura identificada como um espaço relativamente ecoluscente entre a face externa da parede miocárdica e a camada visceral do pericárdio.

Iacobellis, G. Nat. Rev. Endocrinol. 11, 363–371 (2015)

A medida deve ser realizada na janela paraesternal longitudinal eixo longo, na parede livre do ventrículo direito. Como, durante a diástole, há uma compressão deste tecido, a região mais espessa da gordura epicárdica é melhor visualizada durante a sístole final na região de direcionamento mais perpendicular do feixe ultrassônico (para tal, o anel aórtico deve ser utilizado como referência anatômica).

Obesity (2008) 16, 887–892. doi:10.1038/oby.2008.6

Em relação aos pontos de corte para a medida da gordura epicárdica, algumas referências enfatizam a grande variabilidade desta medida em razão do sexo, idade, IMC, hábitos de vida (esportista x sedentário), sendo portanto difícil definir um valor isolado para população geral.

Iacobellis et al., porém, avaliou a medida da gordura epicárdica entre 246 indivíduos caucasianos, sendo 120 mulheres e 126 homens, com idade média de 46 anos (30-65), com média de IMC de 32 kg/m² (22-52), circunferência abdominal média de 100.5 cm (85-140) que realizaram estudo ecocardiográfico de rotina.

Obesity (2008) 16, 887–892. doi:10.1038/oby.2008.6

Entre os avaliados, 58% preenchiam critérios para síndrome metabólica e estes apresentaram valores médios da espessura da gordura epicárdica de 9.5 (homens) e 7.5 (mulheres), valores esses significativamente maiores do que aqueles encontrados nos indivíduos sem síndrome metabólica (P < 0.001).

Obesity (2008) 16, 887–892. doi:10.1038/oby.2008.6

Quando levado em consideração o IMC, a espessura média da gordura epicárdica em indivíduos sem sobrepeso foi de 4 mm (1.1 – 5), já naqueles com sobrepeso foi de 6.7 mm (5.5-10), enquanto que o valor de 6.6 mm (5-10.5) foi observado naqueles com obesidade grau I, de 7 mm (5.7-11.8) na obesidade grau II e de 8.9 mm (6-22) na obesidade extrema.

Obesity (2008) 16, 887–892. doi:10.1038/oby.2008.6

Houve um correlação direta do aumento da circunferência abdominal e o valor da espessura da gordura epicárdica.

Obesity (2008) 16, 887–892. doi:10.1038/oby.2008.6

Os valores de 9.5 mm (homens) e de 7.5 mm (mulheres) apresentaram maiores sensibilidade e especificidade para predizer síndrome metabólica.

Obesity (2008) 16, 887–892. doi:10.1038/oby.2008.6

Durante a discussão deste artigo, os autores reforçam a grande variabilidade para valores de referência desta medida.

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