Os falsos tendões do ventrículo esquerdo (VE) são estruturas filamentares, tipo cordas, normalmente com aproximadamente 3 mm de espessura, que atravessam a cavidade ventricular esquerda no plano transversal. Descritos pela primeira vez em 1893 por anatomista e cirurgião britânico William Turner, essas estruturas podem ser encontradas em até metade dos corações analisados em séries de autópsias.
Mesmo após mais de 100 anos da sua primeira descrição, o significado funcional dos falsos tendões do VE permanece pouco estudado.
Se originam das trabeculações endocárdicas do VE, sem diferença de incidência entre corações estruturalmente normais e aqueles com alguma cardiopatia estrutural congênita. Há uma predileção pelo sexo masculino e uma tendência para ser mais comum em pacientes com baixo índice de massa corporal (ou seria um viés pela melhor qualidade das janelas ecocardiográficas ?).
Podem ser constituídos de tecido fibroso e miocárdico, com irrigação coronária e, em alguns casos, podem ter fibras de Purkinje provenientes do ramo esquerdo do sistema de condução cardíaco.
Como dito, se originam das trabeculações endocárdicas e podem se aderir ao septo interventricular, músculo papilar ou parede livre do VE, mas nunca à valva mitral. Baseado no sítio de adesão do tendão existe uma classificação anatômica que os dividem em 5 diferentes tipos:
Tipo 1: origem no músculo papilar póstero medial e inserção no septo interventricular (66%);
Tipo 2: origem no músculo papilar anterolateral e inserção no músculo papilar póstero medial (12%);
Tipo 3: origem no músculo papilar anterolateral e inserção no septo interventricular (11%);
Tipo 4: origem na parede livre do VE e inserção no septo interventricular (9%);
Tipo 5: origem na parede livre do VE e inserção na parede livre do VE (1%).
Apesar de uma incidência elevada em estudos de autópsia, é um achado bem menos descrito em estudos ecocardiográficos. Com o advento da harmônica, contudo, a taxa de detecção aumentou de forma significativa (sensibilidade 82%, especificidade 85%). Outro aspecto que pode ajudar a explicar esta diferença de incidência é a frequente necessidade do uso de janelas “alternativas” para visualização do falso tendão.
De forma geral, os tendões com orientação longitudinal são melhores visualizados na janela paraesternal e eixo longo apical, enquanto que os de orientação transversal podem ser melhor caracterizados na janela apical 4C e no eixo curto.
Como são estruturas filamentares, costumam ficar mais tracionadas durante a diástole e mais “folgada” durante a sístole. Fica fácil entender, então, que o falso tendão fica mais tracionado (pela sua disposição transversal) na vigência de aumento cavitário, levando à vibrações (pelo fluxo sanguíneo), simulando um “instrumento de corda”, que podem ser observadas ao modo M como “fluttering” e, inclusive, de forma suficiente para gerar sopro cardíaco inocente (Still´s murmurs).
Quando localizados em região apical, podem ser confundidos com trombos intracavitários e, quando próximos ao septo interventricular, podem dá uma falsa impressão de hipertrofia miocárdica. Nessas situações, o que pode ajudar na correta diferenciação é a presença de espaço livre em ambos os lados do tendão e o “relaxamento” na sístole ventricular.
Em algumas situações pode haver ruptura do falso tendão, seja de forma espontânea ou secundária à isquemia miocárdica, gerando uma imagem filamentar altamente móvel, que pode ser confundida com trombo, vegetação ou, principalmente, ruptura de cordoalha.
E quais seriam os efeitos funcionais dos falsos tendões?
Acredita-se que a presença de falso tendão no VE possa retardar, por exemplo, o remodelamento, pós infarto, do VE pela tração que exerce na parede a qual se insere. Desta forma, o falso tendão tipo I limitaria o remodelamento ventricular no caso de um infarto inferoposterior. Este tipo de falso tendão pode também, ao manter o posicionamento habitual dos músculos papilares, reduzir a possibilidade de insuficiência mitral de etiologia isquêmica.
Por outro lado, os falsos tendões tipo 4 e tipo 5 podem limitar o remodelamento secundário a infarto anterior.
Seguindo este mesmo raciocínio, um estudo com pacientes com regurgitação mitral funcional, seja de etiologia isquêmica ou não, observou que pacientes com falso tendão, de orientação transversal e na região médio ventricular, tiveram de forma significante graus menores de regurgitação valvar quando comparados com pacientes sem falso tendão. O mecanismo aqui se justifica pela maior estabilidade (seja anatômica ou funcional – menos contração muscular descoordenada) dos músculos papilares, reduzindo as alterações estruturais e funcionais que levam ao tenting e tethering da valva mitral.
Contudo, nem tudo são flores!!! Em pacientes geneticamente predispostos, a alteração de fluxo (aumento de velocidade, fluxo turbilhonar) gerada pela presença de um falso tendão que se conecte ao septo interventricular pode alterar a expressão fenotípica das células endocárdicas da via de saída do ventrículo esquerdo, resultando em lesões fibroproliferativas e aumentando a incidência de estenose subaórtica.
Ainda, por possuírem em sua constituição fibras de Purkinje, os falsos tendões podem também ser substrato para taquicardias ventriculares intracavitárias, com casos relatados na literatura de necessidade de ablação.
Uma apresentação incomum possível é a calcificação do falso tendão, por vezes fazendo diagnóstico diferencial com massas intracavitárias e trombos. A presença de trombo aderido ao falso tendão também é uma complicação possível, embora rara.
Paciente submetido a cineangiocoronariografia por síndrome coronariana aguda e achado incidental de calcificação de falso tendão mimetizando massa intracavitária.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.