Sabemos que a rotação do ventrículo esquerdo (VE), com a base e a ponta assumindo direções opostas durante a sístole, é um mecanismo que confere alta eficiência mecânica contrátil com baixo gasto energético. Diversas condições patológicas podem interferir na mecânica habitual da torção ventricular esquerda (twist) e sua análise, portanto, é fundamental na avaliação ecocardiográfica dos pacientes.
Se esta é uma análise factível, devemos então entender qual é o padrão “fisiológico” de resposta aos diferentes tipos estímulos possíveis na ecocardiografia com estresse físico. Aqui falaremos sobre o que ocorre com esse mecanismo contrátil durante o esforço isométrico com handgrip.
Na última postagem reforçamos alguns conceitos sobre a fisiologia do esforço isométrico, caracterizada pelo aumento significativo da pós-carga em razão da elevada resistência vascular periférica. O entendimento do status hemodinâmico durante a isometria, seja pela manobra de handgrip ou utilização da cadeira extensora, é imprescindível para a correta aplicação deste método diagnóstico e o adequado entendimento dos achados ecocardiográficos demonstrados durante o exame.
Vamos, então, mostrar o impacto do esforço isométrico no mecanismo de torção do VE utilizando como exemplo os achados de um estudo publicado na The Journal of Physiology.
Estudo com 18 indivíduos saudáveis (15 homens, 3 mulheres), com idade entre 18-45 anos (média 29.7 ± 2.7 anos) e IMC variando de 18-29 kg/m². Todos realizaram análise ecocardiográfica em repouso e durante manobra de handgrip durante 03 minutos com 40% da carga máxima. A técnica de speckle-tracking foi utilizada para avaliar os volumes do VE, rotação apical e basal, twist de pico sistólico e análise do untwisting*.
*Ao término do período ejetivo do ciclo cardíaco e com o relaxamento da região subendocárdica, o recolhimento elástico do miocárdio faz com que a pressão intraventricular diminua de forma rápida e haja a abertura da valva mitral. Com isso há uma equalização das pressões entre o VE e o átrio esquerdo, havendo, neste momento, um movimento de contratorção da região apical do VE criando um gradiente negativo. Este gradiente negativo, por sua vez, atua como uma força de sucção, fazendo com que haja a fase de enchimento ventricular rápido (onda E do fluxo transvalvar mitral).
Para determinar a força máxima de cada indivíduo, foram realizadas 3 medidas de esforço máximo durante manobra de handgrip por 01 segundo utilizando dinamômetro digital de mão, na mão direita. A média dessas três medidas, computadas em newtons, foi determinada como a força máxima. Após esta etapa, os indivíduos efetuavam uma manobra resistida, durante 03 minutos, utilizando 40% da carga máxima. Durante este período, as medidas da pressão arterial e frequência cardíaca eram avaliadas a cada minuto e também durante os três minutos iniciais da recuperação.
A avaliação ecocardiográfica, por sua vez, foi realizada em repouso e na fase de pico da isometria, definida como último minuto da fase resistida do handgrip.
A média da força máxima foi de 397.7 ± 89.0 N e resposta da pressão arterial (PA) ao esforço isométrico foi semelhante em todos os participantes: aumento progressivo tanto da pressão arterial sistólica (PAS) quanto do componente diastólico (PAD) durante a isometria, com aumento significativo dos valores médios (PAS: 120.6 ± 9.7 vs. 155.6 ± 14.5 mmHg, P < 0.001 / PAD: 67.5 ± 6.4 vs. 94.1 ± 21.1 mmHg, P < 0.001) comparados com a pressão arterial em repouso. Após o término da manobra, a PA retornou aos valores basais no terceiro minuto da recuperação.
A frequência cardíaca (FC) também se elevou durante o esforço (62.8 ± 11.7 vs. 84.7 ± 13.8 beats min; P < 0.001). Não houve, contudo, diferenças no comprimento do VE (8.0 ± 0.5 vs. 8.0 ± 0.4 cm; P = 0.95) ou no volume diastólico final (110.8 ± 20.0 vs. 110.0 ± 18.1 ml; P = 0.79). Consistente com o aumento da pós-carga, o volume sistólico final do VE aumentou no pico do esforço (44.2 ± 7.8 vs. 50.5 ± 10.8; P = 0.005), levando a uma redução significativa do volume ejetado (63.9 ± 12.0 vs. 49.4 ± 7.8; P < 0.001).
Apesar da redução do stroke volume, o aumento concomitante da FC atuou como mecanismo compensatório, fazendo com que não houvesse mudança significativa do débito cardíaco durante o esforço (3.9 ± 0.5 vs. 4.2 ± 0.7 l min−1; P = 0.27).
O aumento do volume sistólico final resultou numa redução da fração de ejeção do VE, porém mantendo valores ainda dentro dos limites de normalidade. Da mesma forma, ocorreu diminuição em outros parâmetros de função sistólica do ventrículo esquerdo, como pico sistólico de onda S do anel mitral, strain longitudinal e strain rate longitudinal do VE.
Houve uma redução de 28% na rotação apical do VE durante o pico do esforço. A rotação basal, contudo, não se modificou. Desta forma, o esforço isométrico resultou em uma diminuição de 25% do twist de pico sistólico.
Além disso, o ponto máximo de rotação (pico sistólico) ocorreu de forma mais precoce na fase de ejeção ventricular em razão da rotação apical mais precoce no pico do esforço.
Já o untwsting não apresentou redução significativa no pico do esforço isométrico, apesar de mudanças no tempo em que a contratorção basal e apical ocorreram: a contratorção apical ocorreu após a contratorção basal durante o repouso, havendo inversão deste padrão no esforço.
Portanto, a resposta “fisiológica” esperada durante a isometria é de um aumento agudo da pós-carga, com com aumento da PA e do volume sistólico final do VE. Com isso, a rotação apical ocorre de forma mais precoce e com menor magnitude durante a fase ejetiva do ventrículo esquerdo, resultando em uma redução significativa no twist de pico sistólico.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.