Estenose Mitral Degenerativa: casos clínicos

Na postagem anterior fizemos uma breve revisão sobre a estenose mitral (EMi) degenerativa (ou calcífica), abordando algumas características que podem fazer com que a análise da gravidade desta condição seja bastante desafiadora.

Aqui trago dois casos clínicos de pacientes com EMi degenerativa para mostrar como esta condição se apresenta. Os casos foram obtidos do período CASE: Lamberg et al, Degenerative Mitral Stenosis: A Case-Based Review. CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports, Maio 2023.

CASO 01:

Mulher, 70 anos de idade, com histórico de diabetes tipo I, hipertensão, dislipidemia e doença renal crônica (DRC) estágio IV, além de histórico de neoplasia de mama, tratada há 05 anos com abordagem cirúrgica e radioterapia, admitida com quadro de insuficiência cardíaca descompensada.

Ecocardiograma com fração de ejeção (FE) preservada, com ventrículo esquerdo (VE) hiperdinâmico e gradiente transmitral médio de 10 mmHg (FC 74 bpm). Havia calcificação do anel mitral (MAC) de grau severo, com acometimento dos folhetos valvares, além de refluxo mitral leve associado.

A paciente foi tratada com diureticoterapia intravenosa, apresentando melhora dos sintomas. Após 01 mês da alta, um novo ecocardiograma foi realizado, demonstrando gradiente médio transvalvar mitral de 6.3 mmHg (FC 62 bpm).

Diante disso, os seguintes questionamentos foram levantados: (1) qual é a etiologia da EMi e (2) quão severa é a disfunção valvar?

O ecocardiograma demonstrada MAC (#) significativa, com acometimento dos folhetos (*) valvares e restrição de mobilidade.

A paciente tinha múltiplos fatores de risco para EMi degenerativa (DRC, HAS e passado de radioterapia) e um ecocardiograma de 6 anos atrás (à época do diagnóstico do câncer de mama) relatava um gradiente transvalvar mitral médio de 6.6 mmHg. A evolução, portanto, é compatível com EMi degenerativa secundária à DRC e HAS.

No exame realizado durante a hospitalização da paciente, a área valvar estimada pelo PHT (!!!!) foi de 1.7 cm² e o índice de Doppler de 0.42.

No exame subsequente, após 30 dias, o gradiente transvalvar mitral médio estava menor (10 –> 6.3 mmHg) e com índice de Doppler de 0.44, compatível com área valvar < 1.5 cm². Dada a presença de calcificação importante dos folhetos valvares e da via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE), não foi possível realizar o cálculo da área valvar pela equação de continuidade (por impossibilidade de uma medida confiável da VSVE).

Um ecocardiograma transesofágico foi, então, realizado com as seguintes medidas sendo obtidas: diâmetro da VSVE 1.8 cm; VTIvsve 34 e VTImitral 55. A partir da equação de continuidade, a área valvar mitral foi calculada em 1.54 cm².

A – * Calcificação do anel valvar – MAC; # calcificação dos folhetos. C – medida da VSVE realizada evitando-se a calcificação (*) do folheto anterior da valva mitral.

A planimetria, pela análise 3D, demonstrou área valvar de 1.6 cm².

Posteriormente, foi realizado com ecocardiograma com estresse físico, totalizando 2 minutos e 49 segundos de esforço (44% da FC máxima prevista), interrompido por dispneia. O gradiente transvalvar médio aumentou de 5 mmHg (em repouso, FC 58 bpm) para 7 mmHg (FC 66 bpm), com pressão sistólica do ventrículo direito de 33 mmHg. Esses achados são compatíves com EMi moderada (nonsevere), baseado nos critérios da American Society of Echocardiography.

Desta forma, o artigo conclui o caso a afirmando que a disfunção valvar foi classificada como não severa (EMi moderada), não sendo provável (segundo o artigo) que os sintomas (dispneia significativa) da paciente estivessem totalmente relacionados à valvopatia.

CASO 02:

Homem, 74 anos, com histórico de doença arterial coronariana (DAC), hipertensão (HAS), dislipidemia, DRC estágio IV, diabetes tipo 2 e doença arterial periférica, com múltiplas internações recentes por insuficiência cardíaca descompensada com FE preservada. Iniciou acompanhamento em setor de valvopatia por estenose aórtica (EAo) importante.

Ecocardiograma com área valvar aórtica de 0.8 cm², gradiente médio de 55 mmHg e velocidade de pico de 4.7 m/s. Foi observado calcificação leve do anel mitral (MAC), sem acometimento dos folhetos valvares, com gradiente médio transvalvar mitral de 9 mmHg (FC 118 bpm).

Para definir melhora estratégia de intervenção para a valvopatia aórtica, a gravidade da EMi precisava ser melhor esclarecida (se apenas EAo importante, TAVI poderia ser uma opção; caso EMi associada, uma intervenção cirúrgica convencional talvez fosse necessária).

A área valvar mitral pela equação de continuidade foi estimada em 3.0 cm². O estudo transesofágico revelou função biventricular preservada, com diâmetros cavitários normais. A valva mitral apresentava moderada calcificação do anel valvar e gradiente médio transvalvar de 3 mmHg (FC 73 bpm) associada a regurgitação mitral leve. A planimetria tridimensional obteve área valvar de 4.6 cm².

A tomografia computadorizada para planejamento de TAVI demonstrou uma área valvar mitral, pela planimetria, de 4.5 (60% intervalo RR). Baseado nestes achados, EMi importante foi descartada.

O paciente foi submetido a troca valvar aórtica percutânea (TAVI), com sucesso. Um ecocardiograma subsequente (após 01 mês) demonstrou um gradiente médio transvalvar mitral de 4 mmHg (FC 74 bpm).

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