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ESFORÇO ISOMÉTRICO: EFEITOS AGUDOS SOBRE A MECÂNICA CARDÍACA.

Introdução.

A utilização do esforço isométrico (EI) vem sendo estudado há vários anos, e consiste na realização de um esforço sustentado sem modificação do comprimento do grupo muscular envolvido.

Já em 1976, Helfant et al (Cath Cardiovasc Diag 2:59) demonstraram o valor aditivo do EI com handgrip durante a cinecoronariografia em pacientes com doença arterial coronária (DAC), estudando o trabalho miocárdico e determinando a relação entre a pressão intracavitária e os volumes ventriculares. Em indivíduos normais observaram uma relação linear entre o aumento do trabalho e a pressão de enchimento ventricular (Pd2), enquanto nos pacientes com DAC observaram diminuição do trabalho e aumento da pressão de enchimento, ou seja, comportamento não linear (Figura 1).

Figura 1. Análise do trabalho miocárdico e das pressões de enchimento do VE durante a cinecoronariografia.

Estudos posteriores analisaram a fisiologia deste tipo de esforço, demonstrando que o aumento do inotropismo e do cronotropismo ocorre devido ao fenômeno denominado “efeito Treppe”, também conhecido como efeito Bowdicht, pois foi observado pela primeira vez por este autor (foto) em 1871.

A base do fenômeno está associada ao influxo e efluxo anormais de íons de Ca++ no interior das células cardíacas, que se acumula progressivamente quando há aumento sustentado da pós-carga, como ocorre no EI. Envolve proteínas que participam do acoplamento excitação-contração, como a cálcio-ATPase do Retículo Endoplasmático Sarcoplasmático (CARES). Em condições normais, o miocárdico responde com maior aumento do inotropismo e menor aumento da frequência cardíaca, com aumento linear do trabalho miocárdico conforme a pressão arterial (PA) aumenta. Entretanto, a diminuição da expressão de CARES reduz a captação de Ca++ do retículo sarcoplasmático, levando a uma resposta de força-frequência diminuída. Isto é considerado A MARCA REGISTRADA DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA (Usman et al. Physiology, Bowdicht Effect. StatPearls, Internet, 2023).

Em termos gerais, observa-se elevação da PA durante o EI, principalmente o resultado de um aumento do débito cardíaco (DC), via resposta cronotrópica, enquanto o volume sistólico (VS) geralmente permanece estável ou diminui devido à diminuição do retorno venoso e aumento da pós-carga, com pequeno aumento da resistência vascular periférica (RVP) (Edwards J. Thesis for Degree of PhD, UK, 2024), tema já abordado em blog da Ecope (Figura 2).

Figura 2. Fonte: Blog Ecope.

Importante destacar que a magnitude da resposta cardiovascular durante o exercício físico depende da massa muscular envolvida, da tensão muscular e da duração e intensidade do exercício. Para esses ajustes rápidos, o sistema cardiovascular reage para manter sua homeostase. Tais respostas são produzidas pela ação do sistema nervoso autônomo sobre o coração.

Existem 2 formas de realizar o EI, com compressor manual (handgrip) e com cadeira extensora, sendo que esta última utiliza maior massa muscular.

Estes conceitos fisiológicos permitem sentar as bases para a utilização do EI na avaliação da reserva contrátil do miocárdio em condições normais e patológicas.

Embora o handgrip provoque uma resposta hemodinâmica menos intensa, é preferido devido à sua facilidade de utilização.

Metodologia.

Solicita-se ao paciente comprimir o dinamómetro na sua carga máxima possível. Uma vez obtida, calcula-se 1/3 ou 30% da carga máxima e pede-se para comprimir com esta pressão durante 2-3 minutos. A pressão arterial deve ser aferida em repouso, no braço contralateral, com 1 minuto de esforço e no máximo esforço (2-3 minutos). Os traçados ecocardiográficos devem ser realizados nos mesmos momentos, cuidando que a frequência cardíaca seja semelhante entre as séries.

Resultados.

O aumento da pós-carga pode diminuir os parâmetros utilizados para avaliar a função ventricular esquerda, como a fração de ejeção (FE) e o strain longitudinal global (SLG), mesmo não havendo disfunção miocárdica. Isto deve-se à dependência da carga destes parâmetros.

O trabalho miocárdico (MW), por outro lado, independente da variável pós-carga, justamente por incorporar a pressão arterial no seu processamento, e pode nos ajudar a entender se a redução da FE ou do SGL é patológica ou não.

Quando avaliar o MW com EI.

Quando há suspeita de disfunção miocárdica subclínica com FE normal. (1) Hipertensão arterial e (2) cardiotoxicidade são exemplos frequentes, devido à compensação epicárdica apical, que mascara a função, mas havendo falha da camada mesocárdica. (3) Uso de esteroides anabolizantes de forma crônica ou em doses suprafisiológicas, (4) sintomas ou desempenho físico desproporcionais com a FE, (5) hipertensão de exercício, (6) dor ou dispneia com testes negativos para doença coronária e (7) divergência entre a clínica e a ecocardiografia convencional.

Quando é necessário indagar se o ventrículo tolera o aumento da pós-carga, visto que o EI eleva a PA sem taquicardia relevante nos primeiros minutos. O MW mostra se o ventrículo mantém o trabalho útil (trabalho construtivo, GCW) com padrão ascendente base-ápice, ou se o trabalho desperdiçado aumenta (GWW) diminuindo a eficiência (GWE).

A incapacidade de se aferir a PA durante o estresse por arritmia irregular, instabilidade hemodinâmica ou dor não permitem a correta avaliação do MW.

Como interpretar.

Em condições fisiológicas, o trabalho construtivo global (GCW) aumenta com o EI, mantendo o padrão ascendente base-ápice, com o trabalho desperdiçado (GWW) estável ou com pequeno aumento, o que irá manter a eficiência (GWE), a que ainda pode diminuir de 1% até 3%. O SLG diminui, principalmente com maior aumento da PA, da qual se mede a porcentagem de aumento (ΔPA). A torção apical costuma aumentar (Figura 3).

Figura 3. Exame realizado em atleta de elite, não usuário de EAA. Observa-se o aumento da ativação apical com o esforço.

Fatores que alertam para disfunção miocárdica subclínica: eficiência global diminuída (GWE) em mais de 5%, mesmo com aumento significativo da ΔPA; aumento desproporcional do trabalho desperdiçado (GWW), padrão não ascendente do trabalho construtivo (GCW) que não aumenta o esperado para o aumento da ΔPA obtida; diminuição do strain circunferencial com compensação apical do SLG, mas com aumento da dispersão mecânica da deformação, indicando perda de sincronismo de contração. Em casos mais graves há perda de rotação apical (Figura 4).  

Figura 4. Exame realizado em atleta usuário de EAA, evidenciando, a pesar do aumento do SLG e do trabalho miocárdico durante o esforço, significativa diminuição do twist (mesmo com ativação longitudinal apical) e da eficiência miocárdica, com aumento do trabalho desperdiçado.

Conclusão.

O MW adicionado de EI constitui uma excelente ferramenta para avaliar a reserva contrátil, principalmente em casos em que o ecocardiograma convencional e mesmo o strain longitudinal são inconclusivos ou duvidosos.

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