Insuficiência mitral (IMi) crônica é uma das valvapatias adquiridas mais comuns, enquanto que a IMi aguda normalmente é observada no contexto de endocardite infecciosa, ruptura de cordoalha tendínea ou complicação pós infarto agudo do miocárdio.
Sua gênese pode estar relacionada tanto à alterações anatômicas estruturais do aparato valvar mitral (primária) quanto por dilatação e/ou disfunção do átrio esquerdo (AE) ou do ventrículo esquerdo (VE), neste caso sendo classificada como secundária.
Insuficiência Mitral Primária: é observada em aproximadamente 55% dos pacientes com IMi e que necessitam algum tipo de tratamento. Enquanto que a etiologia degenerativa, ou seja, a deficiência fibroelástica ou alterações mixomatosas (sendo sua forma mais severa conhecida como doença de Barlow) são as causas mais frequentes em países desenvolvidos. A doença mitral reumática ainda continua sendo a etiologia principal no restante do mundo.
Vale destacar que em um pequeno subgrupo de pacientes, a IMi primária se associa com uma maior incidência de arritmias ventriculares e morte súbita cardíaca, em especial nos pacientes com prolapso de valva mitral por doença de Barlow. O potencial arritmogênico, nestes casos, independe da gravidade da regurgitação valvar e está mais relacionado à presença de disjunção do anel mitral (a disjunção do anel valvar posterior causa uma mobilidade excessiva do aparato valvar, aumentando a tensão nos músculos papilares e no segmento basal da parede inferolateral levando à fibrose miocárdica que, por consequência, pode servir de foco para arritmias ventriculares).
A ecocardiografia é o método de escolha para (1) a quantificação do refluxo valvar, (2) determinação da etiologia e (3) avaliar as repercussões cardíacas da IMi.

Os parâmetros quantitativos, como o orifício regurgitante efetivo (EROA), apresentam implicações prognósticas enquanto que os métodos volumétricos, como volume regurgitante e fração regurgitante, fornecem informações adicionais sobre a gravidade da regurgitação valvar.

Quanto à avaliação anatômica, o ecocardiograma transesofágico representa o método de escolha por melhor caracterizar os folhetos valvares, bem como sua mobilidade e borda de coaptação. Ainda, deve ser utilizado para confirmar a intensidade da IMi. Apresenta a vantagem da reconstrução em 3D que deve sempre ser realizada quando se planeja algum tipo de intervenção invasiva.

A ecocardiografia com exercício físico avalia as alterações dinâmicas do jato regurgitante assim como a pressão pulmonar no pico do esforço, sendo desta forma uma ferramenta útil naqueles pacientes com sintomas discordantes em relação à gravidade da IMi em repouso.
Já naqueles pacientes sintomáticos e com IMi importante, o aumento do VE ou dilatação do AE, assim como o aumento da pressão pulmonar (PSAP > 50 mmHg em repouso) ou a presença de insuficiência tricúspide secundária moderada ou importante são considerados fatores de pior prognóstico e devem ser considerados para algum tipo de intervenção.
Nos pacientes assintomáticos, a presença de disfunção ventricular com FEVE ≤ 60%, diâmetro sistólico final do VE ≥ 40 mm (≥ 20 mm/m²) são indicativos de que uma intervenção precoce pode ser benéfica. Ainda, há evidências crescentes de que dilatação do AE (volume indexado ≥ 60 ml/m² ou diâmetro ≥ 55 mm), fibrilação atrial, PSAP > 50 mmHg em repouso e refluxo tricúspide ≥ moderado se associam com pior prognóstico a longo prazo independente da função ventricular esquerda após a correção cirúrgica.

Insuficiência Mitral Secundária: está presente quando o complexo valvar mitral aparenta estar estruturalmente normal, porém não mais competente em razão de alterações tanto do VE quanto do AE, sejam elas geométricas, por dissincronia ou pelo desbalanço entre as forças de fechamento e de tethering. Desta forma, a IMi secundária pode ser classificada como atrial ou ventricular.
A IMi ventricular é mais comum e se associa a um pior prognóstico, sendo as cardiomiopatias dilatada e isquêmica as causas mais comuns. Nos pacientes portadores de insuficiência cardíaca (IC), uma agudização com piora da gravidade da IMi pode ocorrer durante novos eventos isquêmicos, arritmias, processos infecciosos ou sobrecarga volumétrica (eu também acrescentaria não adesão ao tratamento medicamentoso).
A IMi atrial, por sua vez, se dá puramente pela dilatação do anel valvar mitral e é observada em pacientes com fibrilação atrial (FA) de longa data e/ou IC com fração de ejeção preservada (ICFEp). Fatores predisponentes podem incluir idade ≥ 65 anos, sexo feminino, dilatação do AE e disfunção diastólica.
Do ponto de vista morfológico, a IMi ventricular se caracteriza pela presença de tethering dos folhetos valvares associada a uma redução de mobilidade destes, além de dilatação do anel valvar enquanto que a dilatação do anel valvar associada a uma coaptação mais “planar” são tipicamente observadas na IMi atrial.

A avaliação da gravidade da disfunção valvar deve ser sempre realizada após a instituição de terapêutica medicamentosa otimizada, com o paciente apresentando euvolemia e estado normotenso.
Quanto utilizado o método de PISA no contexto da IMi secundária, valores menores de ERO e volume regurgitante podem ser utilizados para definição de IMi importante em razão de um orifício regurgitante mais elíptico e/ou pela presença de um estado de baixo fluxo. Portanto, um EROA ≥ 30 mm² e/ou volume regurgitante ≥ 45 mL têm importante impacto em relação a desfechos negativos, com melhora do prognóstico após intervenção.

Critérios para definição da IMi atrial:
- FEVE preservada (≥ 50%), sem déficit contrátil segmentar ou tethering +
- Cavidade ventricular normal ou levemente dilatada: diâmetro diastólico final < 56 mm (71 mm/m²) em mulheres e < 63 mm (79 mm/m²) em homens +
- Dilatação do anel valvar: diâmetro anteroposterior > 35 mm +
- Volume do átrio esquerdo > 34 ml/m².
Habitualmente temos folhetos valvares de morfologia e mobilidade normais, com coaptação mais “planar” e jato regurgitante central. Contudo, em fases avançadas, pode haver sobreposição das características da IMi atrial com as da IMi ventricular em razão das consequências no ventrículo esquerdo pela sobrecarga volumétrica.
Clinicamente, fibrilação atrial e/ou ICFEp costumam estar presentes.


Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.