Na Europa e América do Norte a estenose aórtica (EAo) é a valvopatia primária mais encaminhada para intervenção, contudo ela constitui ainda uma condição subdiagnosticada.
A degeneração calcífica é a principal etiologia em países desenvolvidos e sua prevalência vem aumentando rapidamente dado o envelhecimento populacional. Em pacientes jovens, por sua vez, a valva aórtica bicúspide é a causa dominante de EAo, enquanto que nos países subdesenvolvidos, a cardiopatia reumática (frequentemente associada a doença valvar mitral) ainda é muito frequente.
De caráter insidioso, a EAo costuma ter uma progressão lenta, sobretudo do estado “leve” para “importante”, em razão do aumento da fibrose e calcificação valvar, embora esta evolução tenda a acelerar à medida em que há aumento da gravidade hemodinâmica.
Através da ecocardiografia é possível confirmar o diagnóstico, caracterizar a anatomia e a gravidade da disfunção valvar, avaliar as consequências hemodinâmicas na função e geometria ventriculares, detectar alterações associadas e fornecer informações prognósticas.
A graduação da EAo, segundo recomendações da sociedade europeia, se baseia nas medidas do gradiente médio (parâmetro mais robusto), velocidade de pico do fluxo transvalvar (Vmáx) e estimativa de área valvar efetiva. Esta última, embora seja teoricamente o parâmetro ideal para avaliar o grau da disfunção valvar, sofre inúmeras limitações técnicas.
A EAo, portanto, pode ser caracterizada de acordo com o status do fluxo (volume sistólico ejetado – stroke volume) quando na presença de parâmetros ecocardiográficos discordantes. Para diferenciar um estado de baixo fluxo ou fluxo normal, utiliza-se o ponto de corte de 35 ml/m².
Na presença de parâmetros concordantes, temos EAo severa/importante quando (1) gradiente médio ≥ 40 mmHg, (2) Vmáx ≥ 4.0 m/s e (3) área valvar ≤ 1 cm² (≤ 0,6 cm²/m²).
Até aqui, tudo bem..
Já quando temos parâmetros discordantes, temos as seguintes possibilidades:
- Baixo fluxo / Baixo gradiente com FE reduzida: gradiente médio < 40 mmHg, área valvar ≤ 1,0 cm² (≤ 0,6 cm²/m²) e FEVE < 50%;
- Baixo fluxo / baixo gradiente com FE preservada: gradiente médio 40 mmHg, área valvar ≤ 1,0 cm² (≤ 0,6 cm²/m²), stroke volume ≤ 35 ml/m² e FEVE > 50%.
- Fluxo normal / baixo gradiente com FEVE preservada: gradiente médio < 40 mmHg, área valvar < 1,0 cm² (≤ 0,6 cm²/m²), stroke volume > 35 ml/m² e FEVE > 50%;
- EAo discordante com alto gradiente: gradiente médio ≥ 40 mmHg e área valvar 1 cm².
Pacientes com fluxo normal/baixo gradiente habitualmente têm estenose valvar moderada. Já os casos de EAo discordante com alto gradiente devem ser considerados como importante se não houver nenhuma condição reversível que justifique esse status de alto fluxo.
Nos pacientes com EAo baixo fluxo/baixo gradiente e FEVE reduzida, o estresse com dobutamina pode auxiliar na diferenciação entre EAo pseudosevera de disfunção valvar importante verdadeira pela presença de reserva de fluxo (aumento do stroke volume ≥ 20%).
O índice de Doppler (relação VTIvsve/VTIao) não requer a medida da via de saída do ventrículo esquerdo e pode auxiliar na avaliação quando outros parâmetros não estão “conversando entre si”. Um valor < 0.25 sugere EAo importante.
A utilização do strain global longitudinal do ventrículo esquerdo pode ser útil para estratificação de risco e avaliação de danos cardíacos extravalvulares. Ainda, fornece informações adicionais em relação a função sistólica do ventrículo esquerdo, com um valor ≤ 15% indicando pacientes com EAo importante assintomática que estão sob maior risco de piora clínica ou morte prematura.
A estimativa da impedância valvulo-arterial já se mostrou como um parâmetro de valor prognóstico em relação a eventos clínicos adversos antes e após a troca valvar aórtica.
Já a ecocardiografia transesofágica possibilita uma avaliação anatômica mais detalhada, permitindo uma melhor estimativa da área valvar pela planimetria e avaliação confiável da via de saída nos casos eventuais de obstrução subvalvar.
Ecocardiograma com estresse físico, por sua vez, pode ser útil para desmascarar sintomas e intolerância hemodinâmica (cerca de 40% dos pacientes com EAo importante não apresentam sintomas e, destes, 1/3 podem demonstrar algum sintoma ou baixa capacidade funcional durante o esforço), caracterizada pela queda > 20 mmHg da pressão arterial, sendo recomendado para estratificação de risco naqueles pacientes com EAo importante assintomática. Esta técnica permite uma avaliação prognóstica adicional ao documentar o aumento do gradiente médio durante o esforço, bem como da alteração da função ventricular.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.