Neste último final de semana aconteceu o congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia – ESC e, com ele, novas diretrizes foram lançadas. Dentre as novidades, temos as novas recomendações relacionadas às valvopatias.
Irei começar uma série de publicações tentando trazer alguns pontos chaves desse documento, com ênfase total na avaliação ecocardiográfica, para que possamos continuar antenados e atualizados com o que recomenda esta importante sociedade de cardiologia.

A abordagem baseada na multimodalidade de imagem cardiovascular é o que deve ser padronizado na avaliação das doenças valvares para a determinação do mecanismo fisiopatológico, graduar sua severidade, planejar intervenções e identificar complicações.
Aqui, a ecocardiografia continua sendo o exame de primeira linha dada a sua acessibilidade e seu caráter não invasivo. Quando na presença de limitação técnica ou dados insuficientes/discordantes, outras modalidades devem ser utilizadas como a própria ecocardiografia transesofágica, mas também a tomografia computadorizada e ressonância magnética cardíacas.

Além da facilidade para a realização de um acompanhamento longitudinal, a ecocardiografia também se destaca por permitir avaliar as repercussões extra valvulares (hipertrofia ventricular esquerda, dilatação do átrio esquerdo, disfunção ventricular, fibrose miocárdica e hipertensão pulmonar), sendo um passo importante para determinar prognóstico, resultados pós procedimentos e qualidade de vida do paciente.

Como as doenças valvares costumam ter um curso insidioso, com progressão lenta ao longo de anos, os pacientes podem acabar, de forma involuntária, limitando gradualmente suas atividades, fazendo com que eventuais sintomas fiquem mascarados. Neste contexto, em particular no cenário de estenose aórtica (EAo), os testes de esforço podem trazer informações adicionais sobre repercussões hemodinâmicas e, assim, ajudar na determinação do momento ideal para uma determinada intervenção.
Aqui, tanto o teste cardiopulmonar (ergoespirometria) quanto o ecocardiograma com estresse físico são ferramentas essenciais.
INSUFICIÊNCIA AÓRTICA: anormalidades intrínsecas como valva aórtica bicúspide e/ou refluxo valvar secundário ao aumento de raiz de aorta e/ou de aorta ascendente continuam em destaque. Alterações degenerativas da valva aórtica continuam sendo a principal etiologia de insuficiência aórtica (IAo) em países desenvolvidos, enquanto que a doença valvar reumática continua prevalente nos países em desenvolvimento.
A apresentação aguda usualmente ocorre nos casos de endocardite infecciosa (EI) ou por dissecção de aorta com extensão para a raiz de aorta.
A avaliação da IAo crônica consiste nos seguintes passos: (1) graduação da intensidade da disfunção valvar, (2) identificar o mecanismo causador e (3) a etiologia, (4) o impacto hemodinâmico em relação a função ventricular esquerda e pressão no leito pulmonar e (5) avaliar a aorta ascendente.

Durante esta avaliação, há necessidade de se registrar as condições hemodinâmicas do paciente no momento do exame, particularmente a pressão arterial, uma vez que aumento dos níveis pressóricos podem superestimar o volume regurgitante.
A avaliação da gravidade da doença deve ser seguida por uma abordagem multiparamétrica (parâmetros qualitativos, semi-quantitativos e quantitavos).
Parâmetros qualitativos:
- Alterações morfológicas;
- Presença de flail;
- Falha de coaptação.
Parâmetros semi-quantitativos:
- Vena contracta > 6 mm;
- PHT < 200 ms;
- Jato central ≥ 65% do diâmetro da via de saída do VE;
- Fluxo reverso holodiastólico na aorta descendente (velocidade diastólica final ≥ 20 cm/s).
Parâmetros quantitativos:
- EROA ≥ 30 mm²;
- Volume regurgitante ≥ 60 ml;
- Fração regurgitante > 50% pelo eco ou > 40% pela ressonância.

O strain pode ser útil na determinação de disfunção ventricular subclínica e, portanto, auxiliar na determinação do momento ideal para intervenção.

A avaliação da aorta deve ser realizada de forma criteriosa, com medidas dos diferentes segmentos: anel valvar, seio de Valsalva, junção sinotubular e aorta ascendente. O maior diâmetro deve ser utilizado para definir o fenótipo de acometimento: raiz de aorta, aorta ascendente ou fenótipo “extendido”. Esse é um passo fundamental para o planejamento cirúrgico.

A caracterização morfológica da valva aórtica deve ser considerada como parte crítica da avaliação, tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento da disfunção valvar, sobretudo quando na possibilidade de realização de reparo valvar.
Quanto as indicações para intervenção, temos alguns pontos já devidamente consolidados na literatura:
- IAo importante aguda usualmente necessita de uma abordagem imediata a depender de sua etiologia;
- A presença de dilatação de aorta pode indicar necessidade de cirurgia independente do grau da disfunção valvar;
- IAo importante em paciente sintomático é indicação cirúrgica, exceto se risco cirúrgico proibitivo;
- Se na presença de alguma outra indicação para cirurgia cardíaca, como revascularização miocárdica, cirurgia de aorta ascendente ou qualquer outro procedimento cardíaco, a IAo importante deve ser abordada independente da presença de sintomas.
Para aqueles pacientes com IAo importante assintomática, as indicações serão baseadas no grau de repercussão:
- Fração de ejeção do VE ≤ 50%;
- Diâmetro sistólico final do VE > 50 mm ou > 25 mm/m²;
Se o paciente é de baixo risco cirúrgico, há evidências observacionais de que uma intervenção precoce pode ser considerada quando FEVE ≤ 55%, diâmetro sistólico final > 22 mm/m² e/ou o volume sistólico final do VE > 45 ml/m².
Da mesma forma, a cirurgia pode ser considerada em pacientes de baixo risco, com IAo importante assintomática e com diâmetro diastólico final do VE > 65 mm. Naqueles pacientes assintomáticos e sem critérios para cirurgia, o ecocardiograma com estresse físico deve ser realizado.
Em relação ao aumento de aorta ascendente, temos que quando o diagnóstico é realizado pela ecocardiografia transtorácica, uma tomografia computadorizada pode ser utilizada para confirmar o diâmetro máximo e melhor caracterização anatômica.
Quando temos uma aorta ascendente com > 45 mm de diâmetro já no primeiro exame do paciente, um novo ecocardiograma deve ser realizado num intervalo de 06 meses para confirmar a estabilidade da doença e, a partir daí, iniciar um seguimento anual.
A cirurgia deve ser indicada com o diâmetro máximo for ≥ 55 mm. Na presença de outros fatores de risco, um ponto de corte de 50 mm pode ser utilizado em pacientes selecionados e de baixo risco cirúrgico para o procedimento. Para aqueles com indicação formal de troca valvar aórtica, a abordagem da aorta ascendente deve ser considerada quando o diâmetro for ≥ 45 mm. Este ponto de corte também deve ser considerados nos casos de valva aórtica bicúspide.



Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.