A ecocardiografia desempenha papel importante na avaliação de massas intracardíacas. Embora não defina etiologia, através deste método é possível fazer uma análise anatômica, bem como das possíveis repercussões hemodinâmicas.
A transiluminação é uma ferramenta de renderização 3D capaz de melhorar a caracterização anatômica de imagens, com melhor percepção de profundidade, delimitação de bordas e relação com estruturas adjacentes.
Embora ainda não tão acessível, pode aumentar a acurácia diagnóstica de massas intracardíacas pela ecocardiografia por fornecer maiores detalhes dessas estruturas.
Mulher, 77 anos, portadora de hipertensão arterial sistêmica (HAS) e dislipidemia (DLP), admitida no pronto socorro com quadro de fibrilação atrial (FA) aguda. Encontra-se estável hemodinamicamente e sem achados significativos no exame físico.
Ecocardiograma transtorácico demonstrou função sistólica do VE reduzida de grau moderado, com fração de ejeção de 35% e aumento leve do átrio esquerdo. Não havia doença valvar significativa. Neste momento, foi iniciada terapia com anticoagulante oral (Apixabana), além do tratamento para insuficiência cardíaca.
Houve reversão espontânea para ritmo sinusal e remodelamento reverso, com função sistólica do VE normalizada.
Após 01 ano, a paciente foi readmitida com disartria, afasia e paralisia facial. Tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) confirmaram acidente vascular encefálico de origem embólica apesar do uso contínuo de anticoagulante oral.
Novo ecocardiograma mostrou função sistólica biventricular preservada, sem alterações valvares significativas. Durante investigação, trombofilia foi descartada.
Optado por substituir apixabana por rivaroxabana, considerando falha terapêutica com a primeira medicação.
Indicado, posteriormente, oclusão do apêndice atrial esquerdo para profilaxia secundária de novos eventos embólicos. O estudo transesofágico mostrou presença de uma massa pedunculada, com mobilidade independente, medindo 9 x 9 mm de diâmetro, na face aórtica do folheto coronariano direito da valva aórtica.
A reconstrução por transiluminação destacou a irregularidade das bordas, com mobilidade cintilante, sugerindo fibroelastoma papilífero. O septo interatrial era íntegro.
Realizado reparo valvar cirúrgico e ressecção da massa, com análise histopatológica confirmando a diagnóstico de fibroelastoma papilífero. A paciente apresentou boa evolução durante o pós operatórios e anticoagulação foi continuada.
Fibroelastoma papilífero constitui a segunda causa mais frequente de massa intracardíaca e tumor valvar. Contudo, com a melhora dos recursos ecocardiográficos e da capacidade diagnóstica deste método, alguns estudos mais recentes sugerem que esta seja a causa mais comum de tumor intracardíaco.
São lesões benignas, avasculares, pedunculadas e com vários graus de fibras elásticas emanando de um estroma central hialino, assumindo um formato descrito como parecido com anêmona marinha (“sea-anemone-like appearance”), quando submersa em solução salina.
Apesar de serem encontrados em qualquer superfície endocárdica, estudos mostram que a valva aórtica é o sítio de implantação mais comum dos fibroelastomas papilíferos, com 50% dos casos acometendo o folheto coronariano direito.
A ressecção cirúrgica habitualmente é indicada na presença de fibroelastoma papilífero em câmaras esquerdas associado à episódio de evento embólico. Algumas correntes defendem uma abordagem mais agressiva, indicando cirurgia mesmo nos pacientes assintomáticos e com risco cirúrgico baixo (STS < 1%) pelo elevado risco de embolização.
Embora a ecocardiografia consiga caracterizar bem esses tumores, em até 1/3 dos casos dos fibroelastomas papilíferos documentados na ecocardiografia transesofágica não são visualizados no estudo transtorácico (como no caso desta paciente).
Normalmente são massas pequenas, com < 20 mm de diâmetro, arredondas, com pedúnculo ecodenso e que apresentam mobilidade independente.
Através da técnica de transiluminação e consequente melhora na caracterização anatômica das estruturas cardíacas, é possível que tenhamos uma melhor capacidade diagnóstica, inclusive com maior grau de confiabilidade na tentativa de definição etiológica.
Neste caso específico, com a reconstrução em 3D pela transiluminação, foi possível destacar a mobilidade independente e irregularidade das bordas da lesão que se correlacionam com as fibrilas elásticas do fibroelastoma papilífero.
Ajustando para o nível da massa, foi possível observar o sombreamento acústico da borda, destacando a mobilidade independente e irregularidade das bordas (C e D).
Agora nos resta aplicar este método e compará-lo, em estudos clínicos, para determinar sua capacidade em ser superior na detecção de tumores cardíacos.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.