Ecocardiografia Esportiva: câmaras direitas em atletas veteranos com e sem fibrilação atrial

Já sabemos que, em atletas jovens de modalidade de endurance, temos uma adaptação caracterizada por remodelamento simétrico do coração. Por outro lado, em atletas veteranos, há um risco maior de fibrilação atrial (FA) em razão do tempo maior (em anos) de treinamento. Ainda, em alguns indivíduos, algumas alterações secundárias ao remodelamento cardíaco podem mimetizar a cardiomiopatia arritmogênica.

Por essa razão, a avaliação de parâmetros ecocardiográficos de câmaras esquerdas já foi fruto de diversos estudos na tentativa de identificar aqueles indivíduos que estariam sob maior risco de desenvolver FA. Será, porém, que a avaliação estrutural e funcional do lado direito do coração também pode ajudar na estratificação desses pacientes?

Tanto o ventrículo direito (VD) quanto o átrio direito (AD) são estruturas compostas por uma parede muscular fina e adaptadas a uma condição de baixas pressões e volumes quando em repouso. Já no pico do esforço físico, o volume ventricular aumenta de forma significativa e desproporcional (pelo aumento da pré-carga), resultado de um aumento da pressão arterial pulmonar e uma menor compensação do estresse parietal na parede endocárdica (já que a massa ventricular é menor quando comparado com o ventrículo esquerdo).

No contexto de atividade física de alta intensidade e de longa duração (maratonas, por exemplo), o aumento do estresse parietal nas câmaras direitas pode levar a uma redução transitória da função do AD e do VD. É verdade, porém, que a recuperação desta disfunção transitória é completa em atletas jovens, mas será que esse estímulo repetido (exercício –> disfunção transitória –> repouso –> recuperação) durante anos de treinamento pode afetar de forma permanente, à semelhança do que ocorre nas câmaras esquerdas, atletas veteranos e, com isso, aumentar o risco de fibrilação atrial ?

J Am Soc Echocardiogr 2022;35:1259-68

Para contemplar uma população com indivíduos sedentários e praticantes de atividade física de alta intensidade, foram inclusos 3.445 homens, com idade ≥ 53 anos, sendo que destes, 2.366 já haviam participado da corrida anual de esqui cross-country (modalidade altamente dinâmica de endurance) denominada Birkebeiner Cross-country ski race, com 54 km de duração em uma altitude de 1.000 metros.

Foram convidados outros 50 participantes que já tinham feito essa prova anteriormente e também participado do estudo Birkebeiner Atrial Fibrillation. No total, foram 134 veteranos com histórico prévio de FA, 123 veteranos sem histórico de FA, com grupo controle também com pacientes com (81) e sem (147) FA.

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Para aumentar o amostra de não atletas com FA do grupo controle, outros indivíduos que foram avaliados no centro do estudo foram convidados para praticar da análise.

Com o objetivo de avaliar a relação entre o tempo, em anos, de treinamento de endurance com o remodelamento cardíaco, 04 diferentes categorias foram criadas: (1) aqueles que nunca tinham tido a prática regular de atividade física – n = 87, (2) aqueles que praticavam atividade física – endurance regularmente entre 01 – 20 anos – n = 50, (3) 20-40 anos – n = 43 e (4) > 40 anos – n = 122.

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Pacientes com insuficiência cardíaca (FE < 35%), doença valvar significativa, cirurgia cardíaca convencional prévia, taquicardia supraventricular outra que não FA ou presença de FA durante o ecocardiograma foram excluídos.

Foram incluídos, portanto, 302 participantes: 62 esquiadores recreativos com FA paroxística e 89, sem; 89 não esquiadores sem histórico de FA e 62 não esquiadores com FA. Todos os participantes eram do sexo masculino, com idade média de 70.8 ± 6.7 anos.

Houve uma relação linear significativa entre o tempo acumulado de treinos e os volumes (mínimo e máximo) do AD, porém não houve esta relação quanto aos parâmetros funcionais (strain AD reservatório, conduto e bomba) e os anos de atividade física.

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Os anos acumulados de exercício se associaram com o aumento das áreas (diastólica e sistólica finais) do VD, enquanto que os parâmetros funcionais (strain de parede livre, onda S´ e FAC) permaneceram semelhantes entre os diferentes grupos avaliados. Houve, contudo, uma associação do exercício de endurance prolongado com uma relação E/e´ menor.

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Os atletas avaliados tinham volumes do AD significativamente maiores quando comparados com os não atletas. Os parâmetros de função do AD, por sua vez, apresentaram valores maiores entre os não atletas em termos absolutos, apesar de que estas diferenças (atletas e não atletas) não foram significativas para todos os valores do strain atrial.

Os volumes máximo e mínimo do AD foram maiores no grupo de pacientes com FA e todos os parâmetros do strain atrial direito foram menores neste grupo, independente do status atleta ou não atleta.

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A função do VD não apresentou diferença entre atletas e não atletas, independente da presença ou não de FA.

Após ajustes pelo peso, altura, CHA2DS2-VASC, strain de parede livre do VD, volume indexado do AD e relação E/e´, o strain reservatório do AD permaneceram, de forma significativa, associado à FA.  (TABELA SUPLEMENTAR 04)

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Os valores do strain do AD tiveram um AUC menor em relação aos valores do strain do átrio esquerdo para identificar pacientes atletas com FA.

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Portanto, apesar do remodelamento com aumento dos diâmetros cavitários, os parâmetros de função do AD e do VD, avaliados pelo strain, foram similares entre os atletas de endurance e aqueles que nunca haviam praticado atividade física regularmente.

Tanto atletas quanto não atletas com FA paroxística tiveram os parâmetros do AD significativamente reduzidos quando comparados com aqueles sem FA.

Um achado interessante é que o acúmulo de anos de treinamento pode se associar, de forma independente, com um aumento da relação VD/VE em atletas veteranos de endurance, fazendo com que haja um aumento desproporcional do VD em relação ao aumento do VE nestes indivíduos. Lembrando que uma relação VD/VE > 0.9 tem sido indicada como um parâmetro para diferenciar adaptação de fenótipo patológico. Portanto, em atletas de maior idade, esta relação deve ser utilizada de forma mais criteriosa.

A associação entre o aumento da relação via de entrada/via de saída do VD e os anos acumulados de treinamento não permaneceu de forma significativa após a exclusão dos pacientes com FA, indicando um remodelamento proporcional da cavidade ventricular direita (diferentemente do que ocorre com a cardiomiopatia arritmogênica do VD em que a via de saída aumenta de forma desproporcional à via de entrada).

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