As adaptações cardíacas induzidas pela atividade física de alta intensidade, já amplamente discutidas aqui no blog, são dependentes do tipo de estímulo e, portanto, apresentam características específicas para cada modalidade de treino.
Desta forma, entender as particularidades de cada modalidade esportiva é crucial na avaliação de atletas.
Apesar de ser uma modalidade predominantemente de endurance, a natação apresenta uma característica singular, que a diferencia das demais: é realizada em posição prona ou supina e, obviamente, imerso em água. Isso reduz o efeito da gravidade no sistema circulatório e acrescenta um componente “compressivo” nos vasos de capacitância dos membros.
O resultado dessa particularidade (posição horizontal + efeito de força compressiva da água) é um aumento ainda maior do retorno venoso sistêmico, levando à uma sobrecarga volumétrica um pouco mais acentuada quando comparado com outras modalidades de endurance.
Um estudo prospectivo longitudinal, com medidas ecocardiográficas durante um programa de treinamento (90 dias), avaliou as adaptações cardíacas em atletas universitários de natação. Os resultados foram comparados com um grupo controle de indivíduos sedentários.
Foram avaliados indivíduos com > 18 anos de idade, já praticantes de atividade física, sem comorbidades cardiovasculares, do primeiro ano da universidade. Já o grupo controle foi composto por homens, com idade entre 18-35 anos, sem doença cardiovascular estabelecida, sedentários ou com praticante de atividade física com carga de treino ≤ 02h/semana.
As avaliações foram realizadas antes do programa de treinamento e após 03 meses do início deste, coincidindo com o “pico” da temporada de competições. Durante o período de treinamento, os atletas foram submetidos a sessões diárias de natação com duração de 1-3h, além de treino “fora d´água” (força, alongamento) 1-2 vezes/semana com duração de 01h. Aqueles que apresentaram, em algum momento do programa de treinamento, uma pausa de pelo menos 3 dias sem treino foram excluídos da análise.
As análises ecocardiográficas foram realizadas sempre pela manhã, no mesmo horário para todos os atletas, com intervalo de pelo menos 12h entre o exame o último treino, com um período prévio de repouso de 20 minutos antes do exame.
Além das medidas convencionais, o estudo também analisou o padrão de torção miocárdica (twist) em repouso e durante esforço isométrico com teste de handgrip (dinamômetro digital de mão, com 40% da carga máxima durante 03 minutos).
No total, 17 atletas (18.6 ± 0.4 anos, 47% mulheres) foram avaliados. Ao longo do estudo, os participantes apresentaram hipertrofia ventricular esquerda (índice de massa = 90 ± 10 vs post = 100 ± 9 g·m−2, P < 0.001) associado a dilatação do ventrículo esquerdo (LV mass index pre = 90 ± 10 vs post = 100 ± 9 g·m−2, P < 0.001), com aumento da espessura da parede (Δ average LV wall thickness = 0.5 ± 0.6 mm, Δ = 7% ± 8%, P = 0.004).
Contudo, houve uma predominância do aumento do diâmetro do VE (Δ LVEDV/BSA = 13 ± 9 mL·m−2, P < 0.001) em relação ao aumento da espessura das paredes (Δ average LV wall thickness = 0.5 ± 0.6 mm, Δ = 7% ± 8%, P = 0.004), compatível com remodelamento excêntrico.
Ao término do programa de treinamento, quase todos os atletas (16/17 – 94%) preencheram critério para dilatação importante do VE (LVEDV/BSA ≥ 100 mL·m−2 for men, >80 mL·m−2 for women). Por outro lado, a massa ventricular esquerda estava normal ou levemente aumentada (LV mass/BSA <116 g·m−2 for men, <100 g·m−2 for women) na maioria deles (13/17 – 76%) e, quando elevada, isso se deu exclusivamente pela dilatação da cavidade (espessura relativa <0.42 em todos os atletas), com apenas 01 indivíduo apresentando aumento da espessura de parede (11 mm).
Em relação aos parâmetros de função ventricular, não foram observadas diferenças na fração de ejeção, bem como nas velocidades de fluxo transmitral (lembrem-se que esses indivíduos já eram treinados antes do início do estudo!). Contudo, houve aumento do volume sistólico ejetado, assim como das velocidades das ondas E´ e A´ pelo Doppler tissular.
Após o período de treinamento, foi observado um aumento do twist em razão de uma maior rotação apical. Uma tendência para um maior untwisting também foi documentada (p = 0.07). Houve correlação indireta altamente significativa entre a diminuição da frequência cardíaca e o aumento do mecanismo de torção (R = -0.67, p = 0.005).
A avaliação com esforço isométrico foi realizada em 8 atletas, antes e após o término do programa de treinamento. A pressão arterial diastólica foi menor no grupo dos atletas em relação ao grupo controle, contudo o comportamento da pressão arterial durante o esforço isométrico foi similar entre ambos os grupos.
O esforço isométrico resultou em reduções significativas e similares do stroke volume entre o grupo controle (rest = 59 ± 3 vs peak IHGT = 48 ± 8 mL, P = 0.008) e atletas (rest = 86 ± 12 vs peak IHGT = 76 ± 15 mL, P = 0.04) na primeira avaliação e ao término do estudo (rest = 106 ± 17 vs peak IHGT = 94 ± 16 mL, P = 0.05).
Ao término do treinamento, os atletas apresentaram uma diminuição mais acentuada da rotação apical durante o esforço isométrico quando comparado com o período inicial (p = 0.02). Da mesma forma, a rotação apical e o twist apresentam maiores reduções nos atletas quando comparado com o grupo controle (P = 0.04 para cada).
Porém (e mais importante!), essa redução do mecanismo de rotação ventricular durante o esforço isométrico não se refletiu em redução mais significativa do stroke volume (o que pode ser explicado pela dilatação do VE durante o processo de treinamento). Outro achado que ajuda a entender esse fato é a melhora da diástole (resting E′ baseline = −12.0 cm·s−1 vs follow-up = −13.2 cm·s−1, P = 0.003), que se mantém durante o esforço isométrico (intra-IHGT E′ baseline = −11.7 cm·s−1 vs follow-up = −12.5 cm·s−1, P = 0.02).
Portanto, fica documentado uma adaptação com dilatação significativa da cavidade ventricular esquerda, mínimo aumento da espessura miocárdica e melhora do padrão de diástole.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.