A gente sabe que a atividade física, de forma geral, é extremamente benéfica para a saúde. Quando se fala em alta intensidade, contudo, existe um momento a partir do qual o exercício deixa de ser tão benéfico como um todo. É a famosa “curva em U“.
Apesar de não sabermos o ponto exato de quando o alto rendimento passa a trazer prejuízos à saúde cardiovascular de um atleta, alguns estudos já conseguiram documentar algumas mudanças cardíacas após uma atividade física de alta intensidade.
Mas não vá pensando que apenas atletas de alto nível estão sujeitos à cargas suprafisiológicas de atividade física.
Um estudo prospectivo avaliou 50 corredores recreacionais (não profissionais) que nunca tinham participado de algum evento competitivo e que iniciaram um programa de treinamento, com 4 meses de duração, para, ao término, correr uma maratona.
Indivíduos com (1) hipertensão arterial, (2) diabetes mellitus, (3) qualquer doença cardiovascular pré-existente, (4) doença renal ou (5) doença pulmonar obstrutiva crônica foram excluídos.
Um estudo ecocardiográfico foi realizado antes do início do período de treinamento e outro, nos primeiros 10 dias (7.27 ± 0.92 dias) após a maratona. Além disso, a dosagem de NT-proBNP também foi realizada.
A idade média dos participantes foi de 40.8 ± 7.5 anos e 88% era do sexo masculino. A frequência cardíaca média antes do início do treinamento foi de 74.6 ± 6.4 batimentos por minuto e a pressão arterial, de 123 ± 10 mmHg para a pressão sistólica e 79 ± 5 mmHg para a diastólica.
Foi observada redução significativa da frequência cardíaca após a maratona (74.1 ± 6.4 bpm vs 64.5 ± 7.6 bpm, p < 0.001), sem haver diferenças em relação à pressão arterial.
Em relação à dosagem do NT-proBNP, houve aumento em relação ao período pré-treinamento (86.0 ± 9.5 pg/ml vs 106.5 ± 24.2 pg/ml, p = 0.001, considerando o valor de normalidade de 0-125 pg/ml).
Quanto aos parâmetros ecocardiográficos, houve um aumento significativo do volume diastólico final do ventrículo esquerdo (61.8 ± 16.5 ml vs 72.8 ± 5.1 ml, p < 0.001), da massa ventricular esquerda (120.2 ± 30.0 gm vs 160.3 ± 43.0 gm, p < 0.001) e da fração de ejeção (64.9 ± 5.6% vs 72.0 ± 5.7%, p < 0.001), sem haver diferença no volume sistólico final do ventrículo esquerdo (VE).
Houve uma redução na velocidade de pico de onda E após a maratona (89.8 ± 17.1 cm/s vs 80.1 ± 17.0 cm/s, p = 0.001), sem haver, contudo, diferença significativa na relação E/e´, indicando que não houve aumento das pressões de enchimento.
O volume indexado do átrio esquerdo (AE) reduziu de 23.2 ± 6.1 ml/m2 para 19.0 ± 6.5 ml/m2, comparando os dois períodos.
Apesar de ter havido um aumento da fração de ejeção do VE após a maratona, foram observadas reduções no strain global longitudinal e no strain circunferencial comparando com os valores de base:
- Strain Longitudinal: 19.3 ± 2.71% vs 16.5 ± 4.6%, p = 0.003;
- Strain Circunferencial: 17.2 ± 2.41% vs 15.2 ± 2.6%, p = 0.00.
Não houve diferenças no strain radial do VE (31.9 ± 7.4% vs 30.9 ± 1.3%, p = 0.422).
Portanto, o exercício intenso e prolongado em corredores recreacionais resultou em (1) aumento do NT-proBNP, do volume diastólico final do VE e da massa ventricular esquerda, contudo com (2) comprometimento do strain longitudinal global e do strain circunferencial global do ventrículo esquerdo, mas (3) com manutenção de uma fração de ejeção preservada às custas do aumento do volume diastólico final, apesar de uma mecânica cardíaca comprometida.
Esses achados sugerem a presença de uma espécie de “fadiga miocárdica” que ocorre em resposta ao estresse hemodinâmico suprafisiológico durante uma maratona.
Em uma revisão sistemática, Vilela et al (Vilela EM, BNP and NT-proBNP elevation after running–a systematic review. Acta Cardiol. 2015;70:501e509) documentou um aumento de BNP ou NT-proBNP para valores acima do limite de normalidade em cerca de 1/3 de corredores após uma maratona.
Um estudo bem interessante, tendo em vista o aumento exponencial do número de corredores recreativos e também pela presença de eventos adversos durante maratonas.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
Excelente. Fornece a importância da graduação adequada da atividade física.