Hoje vamos falar sobre algo que talvez não seja muito a nossa realidade, sobretudo a minha (já que moro em Natal, conhecida como a cidade do sol), mas que traz conceitos importantes e que devem ser conhecidos por quem trabalha com atletas.
A prática de atividade física de alta intensidade no frio, do ponto de vista fisiológico, expõe o sistema cardiovascular a um ambiente desafiador, sobretudo em razão de fatores ambientais externos, como por exemplo baixas temperaturas e hipóxia hipobárica associada à grandes altitudes.
Quando se fala em esportes de inverno, muito do interesse médico nessas modalidades é voltado para as lesões ortopédicas. Contudo, com o aumento da popularidade de algumas modalidades, como snowboarding por exemplo, estima-se que só nos Estados Unidos existam cerca de 25 milhões de praticantes de alguma modalidade de inverno.
Portanto, é importante termos o correto conhecimento sobre como todas as variáveis presentes na prática de atividade física em baixas temperaturas podem impactar de forma direta o sistema cardiovascular.
#FRIO: estudos prévios já documentaram uma relação inversa entre temperatura e incidência de síndrome coronariana aguda (SCA).
Alguns mecanismos propostos para justificar esse tipo de relação incluem o aumento de catecolaminas circulantes em reposta à ativação de termorreceptores, resultando em vasoconstrição, aumento da frequência cardíaca, com consequente aumento da pressão arterial, aumento tanto do volume diastólico final quanto da pressão diastólica final do ventrículo esquerdo (VE), levando ao aumento do trabalho miocárdico e da demanda miocárdica de oxigênio.
Ainda, podem ocorrer espasmos coronarianos se a vasoconstrição envolver este leito arterial, gerando quadro clínico de angina.
Temperaturas frias exercem um efeito negativo na homeostase e inflamação, demonstrado pela maior propensão em formar trombos na circulação periférica.
Arritmias cardíacas e instabilização de placas ateroscleróticas também se relacionam com morte súbita durante o inverno.
Embora essas alterações tenham pouco impacto em atletas de alto rendimento, sabemos que esportistas com fatores de risco cardiovasculares ou até mesmo doença cardiovascular já estabelecida podem se colocar em situação de risco durante a prática esportiva em baixas temperaturas – atenção para aquela turma que todo ano viaja para uma temporada na neve!!!
#ALTITUDE: muitos esportes de inverno são praticados em lugares de maior altitude, ambientes estes que podem gerar hipóxia por baixa pressão de O2.
Uma exposição aguda à altas altitudes resulta no aumento do tônus simpático, gerando aumento da frequência cardíaca, pressão arterial e do débito cardíaco. Isso pode agravar alguma condição cardíaca pré-existente.
Indivíduos com hipertensão arterial sistêmica (HAS) podem apresentar uma reposta variável à altitude, embora aumentos de 30-40 mmHg da pressão arterial sistólica quando acima do nível do mar sejam incomuns e normalmente transitórios. Quando isso ocorre, habitualmente se tem uma reversão ao permanecer abaixo dos 3.000 metros de altitude.
Exposições de curta duração à altas altitudes podem ser consideradas como situações de risco para um estado de hipercoagulabilidade.
Ainda, condições específicas relacionadas à atletas que se expõem à elevadas altitudes são amplamente conhecidas na medicina do esporte, como a doença da altitude (acute mountain sickness), edema agudo induzido pela alta altitude e edema cerebral induzido pela alta altitude.
Já a exposição crônica pode ser benéfica para o atleta, conferindo ganho de performance pela policitemia induzida pela hipóxia, aumentado a capacidade de transporte de O2.
Então, como seria o padrão de adaptação desses atletas de inverno???
Assim como em qualquer atleta, logicamente que as especificidades de treinamento de cada modalidade devem ser considerados quando na avaliação desses indivíduos.
Por exemplo, existem diferenças entre o volume atrial esquerdo, strain global longitudinal do ventrículo esquerdo e índice de massa do VE entre atletas do esqui em montanhas (modalidade que mistura esqui com alpinismo), esqui cross-country nórdico e atletas de biathlon (modalidade de esqui e tiro).
O que vai determinar o padrão de adaptação, portanto, é grau dos componentes estático e dinâmico de cada modalidade, da mesma forma que acontece com os esportes de verão.
E qual seria a implicação clínica para a nossa realidade ???
Conhecendo o impacto do frio e de elevadas altitudes no sistema cardiovascular, conseguimos orientar de forma mais segura aqueles indivíduos que apresentam fatores de risco para doenças cardiovasculares ou já tem doença estabelecida e que desejam realizar alguma modalidade de esporte em ambientes com frio extremo.
Não é raro termos pacientes que viajam para uma temporada de inverno em estações de esqui ou que tem o sonho de escalar uma montanha. Portanto, uma avaliação prévia e recomendações direcionadas podem evitar que um sonho vire um pesadelo.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.