Ecocardiografia com Estresse na Estenose Aórtica com Baixo Gradiente: revisão de artigo

O diagnóstico de estenose aórtica (EAo) importante se torna um verdadeiro desafio quando temos o contexto de baixo gradiente. Na presença de um volume ejetado (stroke volume) reduzido associado a fração de ejeção (FE) < 50%, as diretrizes recomendam a utilização da ecocardiografia com estresse utilizando dobutamina para diferenciar EAo verdadeiramente importante da EAo pseudo severa.

Apesar de um ponto de corte de FE < 50%, a maior parte dos estudos avaliou o uso da ecocardiografia com estresse (dobutamina) em pacientes com FE significativamente reduzida. Ainda, quando falamos em FE, há quem defenda que, na EAo, uma fração de ejeção < 60% já seja considerada como reduzida, justificando o motivo pelo qual alguns autores indicam que o ecocardiograma com estresse já tenha valor prognóstico mesmo em pacientes com EAo e FE > 50%.

Contudo, mesmo nesses estudos, o foco da avaliação é o impacto prognóstico e não necessariamente a correta avaliação dos parâmetros de graduação da EAo. Este é um detalhe importante tendo em vista que estudos recentes já demonstram prognósticos desfavoráveis em pacientes com EAo ainda na fase moderada, sobretudo quando a FE está reduzida.

Será, portanto, que existe algo que está “passando batido” na hora de classificar o grau da disfunção valvar e que impacta de forma direta o prognóstico dos pacientes com EAo?

J Am Soc Echocardiogr 2024;37:1023-33

Estudo com objetivo de determinar a acurácia diagnóstica do ecocardiograma com dobutamina em pacientes com EAo com baixo gradiente com diferentes faixas de fração de ejeção.

Foram avaliados pacientes com > 18 anos de idade com EAo com baixo gradiente (gradiente médio < 40 mmHg, área valvar < 1,0 cm²) e stroke volume ≤ 35 mL/m² de duas cohorts prospectivas. Os achados ecocardiográficos foram comparados com escore de cálcio da valva aórtica pela tomografia computadorizada.

Os participantes foram divididos em 03 subgrupos de acordo com a FE do ventrículo esquerdo (VE): (1) FE < 35%, (2) FE 35-50% e (3) FE > 50%.

Um total de 221 pacientes preencheram os critérios para o estudo e destes, 35% apresentavam FE < 35%, 30% estraram no grupo com FE entre 35-50% e pacientes com FE > 50% representaram 34% da amostra.

No grupo dos pacientes com FE >50% havia mais mulheres, os participantes tinham menos sintomas e menos frequentemente apresentavam algum dispositivo cardíaco implantável.

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102 pacientes (46%) tinham EAo importante, avaliada pelo escore de cálcio, sem haver diferenças entre os diferentes grupos (55% no grupo 1, 37% no grupo 2 e 46% no grupo 3, P = < 0..1). Pacientes com FE > 50% apresentaram maiores valores de velocidade de pico do fluxo aórtico (304 ± 45 vs 302 ± 43 vs 324 ± 37 cm/s, P < .01) e de gradiente médio (22 ± 7 vs 23 ± 7 vs 25± 6 mmHg, P = .03), apesar de área valvar similar entre os 3 grupos.

16 pacientes tinham valva aórtica bicúspide, com distribuição semelhante entre os grupos.

Uma relação inversa foi observada entre a FE do VE (FEVE) e o diâmetro ventricular esquerdo (r = -0.65, P < 0.001). Pacientes com FEVE < 35% tinham maiores massas ventriculares e menores espessuras relativas do VE quando comparados com pacientes com FEVE > 35%, com o padrão de hipertrofia excêntrica sendo mais comum nos pacientes com FEVE < 35% e com FEVE entre 25-50% quando comparados com os pacientes com FEVE > 50%.

Todos os pacientes apresentavam stroke volume < 35 ml/m², porém os pacientes com FEVE > 50% apresentaram os maiores valores de stroke volume em repouso (26 ± 5 vs 26± 5 vs
29± 4 mL/m²,P<.01).

O ecocardiograma com dobutamina foi realizado sem eventos adversos em 215 pacientes (97%), contudo houve necessidade de interrupção do exame de forma precoce em 6 pacientes (1 por aumento da PAS > 200 mmHg, 1 por angina, 1 por dispneia e 3 por “desconforto”), sendo a maioria deles do grupo com FEVE > 50% (0% vs 2% vs 9%, P = 0.04). Por outro lado, não houve documentação de arritmia ventricular no grupo 03, enquanto que 8 pacientes com FEVE < 50% evoluíram com arritmia ventricular complexa durante o estresse farmacológico.

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Enquanto que o volume sistólico ejetado aumentou de forma similar durante o estresse com dobumatina em todos os subgrupos à despeito da severidade da disfunção valvar, ao término do exame 56% (120 pacientes) persistiram com baixo fluxo (< 35 ml/m²) e 55% (109 pacientes) mantiveram baixa taxa de fluxo (<250 ml/s).

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Os pacientes com FEVE reduzida apresentaram a maior proporção de participantes com reserva contrátil (65% vs 49% vs 44%, P = 0.03.) Apesar de resistência vascular sistêmica e impedância válvulo-arterial semelhantes durante o ecocardiograma com estresse, pacientes com FEVE > 35%, tanto em repouso quanto durante a fase de estresse, apresentaram menor complacência arterial do que aquelas com FE < 35% (0.56 ± 0.21 vs 0.48 ± 0.17 vs 0.50 ± 0.15 ml/m²/mmHg, P = 0.02).

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O ponto de corte ótimo para diferenciar EAo significativa de pseudo severa, durante o estresse com dobumatina, foi de 34 mmHg para o gradiente médio (sensibilidade 75%, especificidade 64%), 3,89 m/s de velocidade máxima (sensibilidade 70%, especificidade 63%) e 0.9 cm² para área valvar (sensibilidade 57%, especificidade 59%). Em relação aos parâmetros utilizados nas diretrizes atuais, o gradiente médio > 40 mmHg apresentou sensibilidade 49% e especificidade 78%, a velocidade máxima > 4,0 m/s teve sensibilidade 64% e especificidade de 66% e a área valvar < 1,0 cm² com sensibilidade 78% e especificidade 40%.

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A avaliação combinada dos parâmetros convencionais de área valvar < 1,0 cm² associada ao gradiente médio (> 40 mmHg) ou velocidade máxima (> 4,0 m/s) apresentou sensibilidade de 54% e especificidade de 77% para todos os pacientes com FEVE < 50%.

Quando comparando os valores determinados no presente estudo com os recomendados pelas diretrizes, no que diz respeito à sensibilidade e especificidade, houve consistência para os pontos de corte do estudo em relação ao gradiente médio e velocidade máxima nos pacientes com reserva contrátil, contudo o ponto de corte ótimo da área valvar foi < 1,0 cm² neste perfil de pacientes.

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Já a capacidade do ecocardiograma com estresse farmacológico de predizer EAo significativa (severa) demonstrou uma heterogeneidade significativa entre os grupos de acordo com a FEVE.

A área valvar apresentou valores de cortes ótimos diferentes: grupo FEVE < 35%, 1,0 cm² (AUC = 0,68); grupo FEVE 35-50%, 0,9 cm² (AUC = 0,62); e grupo FEVE > 50%, 0,8 cm² (AUC = 0,54), com p = 0.36.

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Por outro lado, a associação do gradiente médio e da velocidade máxima com a severidade da disfunção valvar aórtica foi mais acurada no grupo com FEVE < 35% (AUC gradiente médio: 0,90 x 0,67 x 0,65, P = 0.0007 / AUC velocidade máxima: 0,90 x 0,66 x 0,60, P = -.0001), com diferentes pontos de corte: Gmed 30 mmHg grupo 01, 45 mmHg grupo 02 e 37 mmHg grupo 03 / Velocidade máxima 3,77 m/s grupo 01, 4,3 m/s grupo 02 e 4,0 grupo 03.

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A utilização dos parâmetros sugeridos pelas diretrizes, por sua vez, de área valvar e gradiente médio ou velocidade máxima levou a sensibilidade 54% e especificidade 93% no grupo 01, sensibilidade 41% e especificidade 78% no grupo 02 e sensibilidade 63% e especificidade 63% no grupo 03.

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Para todos os pacientes com FEVE < 50%, a sensibilidade foi de 50% e especificidade de 84%.

O estudo enfatiza que 04 pontos devem ser considerados após a análise dos dados:

  • O ecocardiograma com estresse com dobutamina é seguro, com poucos pacientes apresentando complicações relacionadas ao uso do fármaco, tanto nos pacientes com FEVE reduzida quanto naqueles com FEVE > 50%;
  • O estresse farmacológico levou a um aumento do stroke volume nos pacientes com baixo gradiente independente da FEVE de base;
  • O gradiente médio e a velocidade máxima, durante o estresse farmacológico, foram superiores à área valvar no diagnóstico de EAo severa;
  • Apesar da área valvar, durante a fase de estresse, oferecer informações modestas, mas similares entre os diferentes grupos (ponto de corte de 0,9 cm²), ambos gradiente médio e velocidade máxima demonstraram valores heterogêneos nos diferentes grupos, sobretudo em casos de FEVE < 35% e > 35%.

Portanto, conclui o estudo, a relação entre gradiente médio, avaliado durante o esforço, com a severidade da EAo pelo escore de cálcio se mostrou bastante heterogênea, com maior acurácia diagnóstica em pacientes com FEVE < 35%, mas com valor limitado em pacientes com FEVE maior ou igual a 35%, com diferentes pontos de cortes entre os subgrupos avaliados.

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