A estenose aórtica (EAo) é uma doença de progressão insidiosa e, quando assintomática, se associa com índices elevados de morbimortalidade. As diretrizes atuais, contudo, não são claras quanto ao seguimento dos pacientes com disfunção valvar leve a moderada, devendo o acompanhamento ser individualizado de acordo com as particularidades de cada paciente.
Em recente publicação do ESC, J.H. Seo et al. avaliou o dP/dt do fluxo aórtico de pacientes com EAo leve a moderada como um parâmetro preditor de progressão da disfunção valvar.
O fluxo, ao Doppler contínuo, de pacientes com EAo leve a moderada mostra um padrão de aceleração rápida, com pico precoce, enquanto que nos pacientes com EAo importante há um padrão de aceleração lenta, com pico tardio.
Baseado neste conceito, foi pensado na hipótese de que a aceleração do fluxo transvalvar é maior nos pacientes em estágios iniciais da EAo, quando a restrição de abertura valvar ainda está no começo. Esse aumento da velocidade, por sua vez, causaria um dano contínuo na valva aórtica e essa diferença de aceleração poderia explicar a razão pela qual alguns pacientes progridem de maneira mais rápida para formas mais graves de EAo quando comparados com outros pacientes com disfunção valvar no mesmo estágio.
Assim, um gradiente transaórtico por unidade de tempo (Dp/dt) aumentado levaria a uma aceleração maior do fluxo. Dessa forma, um dP/dt elevado em pacientes com EAo leve a moderada estaria associado a uma taxa de progressão de doença maior.
Foram avaliados 481 pacientes, de forma retrospectiva, com EAo leve (área valvar pela equação de continuidade entre 1.5-2.0 cm² / velocidade de pico entre 2.0-3.0 m/s) ou moderada (área valvar pela equação de continuidade entre 1.0-1.5 cm² / velocidade de pico entre 3.0-4.0 m/s), que realizaram ecocardiogramas seriados (dois ou mais) com intervalo de pelo menos 06 meses entre os anos de 2011 e 2020.
Pacientes com outras valvopatias, disfunção ventricular esquerda (FE <50%), cardiopatias congênitas, portadores de marcapasso definitivo ou com histórico de cirurgia cardíaca foram excluídos.
O dP/dt do fluxo aórtico foi medido nos pontos de velocidade de fluxo de 1 m/s e 2 m/s, correspondendo aos gradientes de 4 mmHg e 16 mmHg respectivamente (usando a equação de Bernoulli modificada). Em todos os pacientes foram realizadas 3 medidas e a média dessas foi considerada como a medida final.
Durante o seguimento de 2.7 (1.5-4.5) anos, 12 dos 404 pacientes (3%) evoluiram de EAo leve para EAo importante, enquanto que 31 pacientes (40%) progrediram de EAo moderada para importante.
Entre os 481 pacientes com EAo leve a moderada (43 com progressão da doença e 438 sem progressão da doença), os que apresentaram piora da disfunção valvar tinham um LDL-c maior* em relação aos que não apresentam progressão da doença (110 ± 49 vs. 96± 37 mg/dL, P = 0.028). Outras comorbidades e alterações laboratoriais foram compatíveis entre esses dois grupos (P > 0.08).
*Lembrem-se: o grau de calcificação valvar aórtico é um marcador de doença aterosclerótica !!!!
No grupo que teve progressão da doença, a velocidade máxima foi de 3.22 ± 0.50 m/s, o gradiente médio foi de 24.6 ±8.2 mmHg e a área valvar de 1.32 ± 0.26 cm2. A taxa de progressão de doença foi 0.27 (0.19–0.45) m/s por ano e o dP/dt encontrado foi de 815 (713–1049) mmHg/s.
Houve uma correlação positiva entre velocidade máxima e gradiente médio com o dP/dt do fluxo aórtico (r = 0.813 e 0.801, P < 0.001 e < 0.001, respectivamente), contudo isso não foi observado em relação à área valvar (r = –0.548, P < 0.001).
A área valvar, durante o seguimento, teve uma correlação negativa com o dP/dt (r =
−0.144).
Na análise ROC, o dP/dt do fluxo aórtico teve uma boa capacidade em predizer o risco de progressão da EAo (AUC, 0.868; P < 0.001) e o valor de corte considerado ideal foi de 600 mmHg/s.
Um valor acima de 600 mmHg/s, portanto, foi associado de forma significativa com progressão para as formas severas de EAo.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
Excelente artigo, particularmente útil na prática diária