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Doença de Danon: um importante diagnóstico diferencial de miocardiopatia hipertrófica em jovens

A doença de armazenamento do glicogênio por deficiência de LAMP-2 (Proteína 2 de Membrana Associada ao Lisossoma) é uma doença de armazenamento lisossômico do glicogénio caracterizada por miocardiopatia grave e vários graus de fraqueza muscular.

Descrita pela primeira vez por Moris Jak Danon, Universidade de Ilinois, ao classificar como uma forma distinta de doença de armazenamento lisossômico em dois meninos de 16 anos com cardiomegalia, fraqueza muscular e retardo mental. Posteriormente, foi demonstrado resultar de mutações do gene LAMP2, levando ao acúmulo de vacúolos intracitoplasmáticos (imagens A e B).

F. Samad et al., International Journal of Cardiology 245 (2017) 201–206

É considerada uma condição rara,  transmitida de forma recessiva ligada ao X, e tradicionalmente descrita como uma tríade com miopatia, retardo mental e cardiomiopatia. Contudo, baseado nos inúmeros relatos, o acometimento do sistema nervoso central e da musculatura esquelética costuma ser de grau leve ou imperceptível, sendo o acometimento cardíaco a forma predominante de apresentação clínica.

Fenotipicamente, a doença de Danon (ou cardiomiopatia de LAMP2) mimetiza a cardiomiopatia hipertrófica, cuja causa se relaciona à mutações de genes relacionados à proteínas sarcoméricas.

Contudo, a diferenciação entre essas duas condições é fundamental, tendo em vista que a doença de Danon tem evolução mais rápida (com piora da função ventricular) e se relaciona com uma incidência elevada de alterações eletrofisiológicas, sendo uma importante causa de morte súbita em jovens por arritmias maligas. Não à toa, é considerada uma das cardiomiopatias mais letais em pacientes jovens.

Adaptado de F. Samad et al., International Journal of Cardiology 245 (2017) 201–206

Padrão de pré-excitação e até mesmo casos de síndrome de Wolff-Parkinson-White em paciente com cardiomiopatia hipertrófica deve sempre levar à suspeita de Doença de Danon.

ECG de paciente com doença de Danon confirmada: critérios de voltagem para sobrecarga ventricular esquerda e presença de intervalo PR curto com onda delta (McLeod et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports, Volume 3 Number 5, October 2019)

Em uma análise genética envolvendo 75 pacientes, não familiares, com hipertrofia ventricular de causa inexplicada, apenas 9.3% dos indivíduos avaliados apresentou mutações da LAMP2, contudo, ao comparar a espessura das paredes ventriculares destes com pacientes com miocardiopatia hipertrófica, foi observado um padrão de hipertrofia mais acentuado nos pacientes com mutações da LAMP2 (24 ± 10 e 35 ± 15 mm, respectivamente).

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McLeod et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports, Volume 3 Number 5, October 2019
McLeod et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports, Volume 3 Number 5, October 2019
Paciente de 15 anos de idade com dispneia aos esforços e histórico de não tolerar exercício físico mais intenso desde os 5 anos de idade, com doença de Danon confirmada. Espessura do septo de 42 mm e gradiente de pico intraventricular de 85 mmHg em repouso.

Nesse mesmo estudo, uma análise adicional de 24 pacientes com hipertrofia ventricular de causa inexplicada associada a alterações eletrocardiográficas sugestivas de pré-excitação ventricular, a incidência de mutações da LAMP2 aumentou para 16.6%.

Por ser ligada ao X, acomete mais frequentemente o sexo masculino. Quando comparado com pacientes do sexo feminino, os homens apresentam uma progressão mais rápida da doença. A idade média de início da doença nos homens é de 12.1 anos e nas mulheres, 27.9 anos.

O diagnóstico biológico envolve demonstração de atividade normal ou elevada da maltase ácida em combinação com biópsias musculares mostrando grandes vacúolos (preenchidos com glicogênio e produtos de degradação citoplasmática) e ausência da proteína LAMP-2 na análise imunohistoquímica. O diagnóstico pode ser confirmado por análise molecular do gene LAMP2.

É uma doença de prognóstico ruim, com alta incidência de eventos adversos. Maron et al. acompanhou 7 pacientes, com média de idade de 14 anos, durante uma média de 8.6 anos. Todos os pacientes desenvolveram disfunção sistólica com fração de ejeção do ventrículo esquerdo entre 35-20% (média 25%) e a espessura da parede livre do VE variou de 29-65 mm. 5 pacientes tiveram arritmias ventriculares malignas e, apesar do implante de CDI, 4 morreram de insuficiência cardíaca progressiva e 1 foi submetido à transplante cardíaco.

F. Samad et al., International Journal of Cardiology 245 (2017) 201–206

Outra análise com 5 pacientes (sendo 3 da mesma família: paciente 2 – mãe, paciente 3 – filha, paciente 4 – filho) demonstrou uma espessura média do septo ventricular de 23 mm (15-41 mm), inicialmente todos apresentando fração de ejeção preservada e com função diastólica alterada.

Adaptado de F. Samad et al., International Journal of Cardiology 245 (2017) 201–206

Durante o seguimento, todos os pacientes também evoluíram com disfunção sistólica (fração ejeção média de 31%). A média do strain global longitudinal foi 6.4% (imagem G – paciente 4). 03 pacientes foram submetidos à transplante cardíaco (idades 15, 27 e 42).

F. Samad et al. / International Journal of Cardiology 245 (2017) 201–206

A avaliação por diferentes métodos de imagem é fundamental nesses pacientes. A combinação de presença de pré-excitação no eletrocardiograma e exames de imagens com hipertrofia ventricular severa é o padrão esperado. A tomografia com emissão de positrons (PET Scan) pode mostrar um hipermetabolismo de glicose no miocárdio, corroborando ainda mais para o diagnóstico.

A e B – PET Scan com aumento da captação nas paredes lateral e septal do VE no corte coronal; C – corte axial. (McLeod et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports, Volume 3 Number 5, October 2019).

Essa doença já ganhou destaque na grande mídia após dois irmãos serem transplantados com 48h de diferença.

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