Quando estamos diante de um paciente com cardiomiopatia hipertrófica (CMPH), a estratificação para o risco para morte súbita cardíaca vem como nossa primeira preocupação. Para tanto, existem ferramentas (escores) que predizem esse risco e que utilizam parâmetros clínicos, documentação de arritmias e avaliação ecocardiográfica.

Espessura diastólica máxima das paredes do ventrículo esquerdo (VE), diâmetro do átrio esquerdo e gradiente da via de saída são parâmetros classicamente utilizados para esta estratificação. Contudo, como a ecocardiografia avançada, através da técnica de speckle tracking, pode contribuir na avaliação destes pacientes ?

Estudo com 150 pacientes portadores de CMPH submetidos a avaliação ecocardiográfica, de ressonância magnética (RM) cardíaca e holter 24-48h, com objetivo de determinar se a avaliação da função sistólica ventricular pelo strain se correlaciona com arritmias ventriculares e a extensão da fibrose miocárdica pela RM.
Pacientes com (1) histórico de alguma intervenção voltada para redução do septo interventricular, (2) doença arterial coronária, (3) hipertrofia miocárdica por outras causas, (4) doença valvar significativa, (5) doença de depósito e (6) hipertensão arterial foram excluídos.
O grupo controle foi composto por 50 indivíduos saudáveis, pareados de acordo com idade, gênero, frequência cardíaca e pressão arterial.

Histórico familiar de CMPH foi documentado em 64 participantes (43%). De todos os pacientes avaliados, 135 realizaram estudo genético e 60 (44%) tiveram o teste positivo para alguma mutação patogênica relacionada a doença.
Obstrução de via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE) foi documentada em 64 pacientes (43%) e nesses, a média do gradiente de pico foi de 70 ± 25 mmHg.
A função sistólica avaliada pela fração de ejeção foi similar entre os pacientes com CMPH e o grupo controle (61 ± 5% vs.61± 8%, P = 0.77), enquanto que a avaliação pelo strain global longitudinal (SGL) mostrou parâmetros mais reduzidos nos pacientes do grupo com CMPH (15.7± 3.6% vs. 21.1± 1.9%, P < 0.001).
A dispersão mecânica (PSD) foi mais pronunciada no grupo dos pacientes com CMPH comparado com o grupo controle (64 ± 22 ms vs. 36 ± 13 ms, P < 0.001). Ainda, os pacientes com CMPH apresentaram um tempo de desaceleração do fluxo mitral (TDA) aumentado, assim como maiores E/e´ e volume indexado do átrio esquerdo.

Pacientes com realce tardio pela RM apresentaram maiores espessamentos das paredes do VE (23.6 ± 7.5 mm vs. 18.9 ± 5.3 mm, P = 0.03) e maiores valores de dispersão mecânica (66 ± 22 ms vs. 56 ± 17 ms, P = 0.02) comparando com aqueles pacientes sem fibrose miocárdica.

Houve uma tendência para um pior SGL em pacientes com fibrose miocárdica (15.3 ± 3.3% vs. 16.6 ± 2.9%, P = 0.06). A dispersão mecânica e a quantidade fibrose, pela porcentagem do realce tardio, tiveram uma correlação moderada (r = 0.52, P < 0.001).
Um PSD > 64 ms foi considerado o ponto de corte ótimo para detecção de fibrose com C-statistics de 0.61 (95% IC: 0.49-0.72).
Houve uma correlação fraca, mas significativa, entre o SGL e a quantidade de fibrose pela técnica de realce tardio (r = 0.27, P = 0.01) e um SGL < 14% foi o ponto de corte para detecção de fibrose miocárdica (C-statistics 0.60, 95% IC: 0.49-0.73). Não houve correlação entre os parâmetros de função diastólica com fibrose miocárdica.
Arritmias ventriculares foram documentadas em 37 pacientes (25%). Destes, 01 (3%) morreu de fibrilação ventricular (FV), 02 (5%) tiveram FV com morte súbita abortada, 01 (3%) teve taquicardia ventricular sustentada e 33 (89%) apresentaram taquicardia ventricular não sustentada (TVNS). Síncope cardiogênica foi documentada em 17 (11%) pacientes.
Pacientes com CMPH e arritmia ventricular tiveram maiores espessuras diastólicas das paredes do VE, maiores valores de dispersão mecânica e valores mais reduzidos de SGL quando comparados com aqueles com CMPH sem arritmia ventricular, enquanto que a fração de ejeção do VE não apresentou diferença.


O modelo de previsão de risco (C-statistics) para pacientes com CMPH e arritmia ventricular foi igual entre a dispersão mecânica e quantidade de fibrose pela porcentagem de realce tardio: [0.74 (95%IC: 0.59-0.89) vs 0.72 (95%IC: 0.58-0.86), P = 0.70]. O Esc Risk Score, por sua vez, apresentou C-statistics de 0.75 (95%IC: 0.66-0.86) para predizer arritmia ventricular.

Pacientes com SGL <15%, PSD > 67 ms e > 2% de realce tardio pela RM* tiveram arritmia ventricular mais frequentemente.
* Um valor de 02% de fibrose é muito baixo, uma vez que valores inferiores a 05% normalmente são considerados sem significância clínica. Os autores acreditam que este resultado pode ser possivelmente atribuído pela presença predominante de fibrose intersticial nos pacientes com CMPH em comparação com fibrose de substituição (replacement fibrosis).

A dispersão mecânica foi um forte preditor de risco, de forma independente, para arritmia ventricular em análise multivariada, incluindo a presença de realce tardio pela RM, aumentando de forma significativa a estratificação de risco quando adicionado aos escores de risco convencionais.


Ainda, segundo os autores, um SGL reduzido e um PSD elevado nos pacientes com CMPH podem não ser apenas explicados pela presença de fibrose miocárdica isoladamente. Hipertrofia miocárdica, desarranjo miofibrilar, isquemia macro e microvascular, assim como obstrução da VSVE, mesmo na ausência de fibrose miocárdica, podem contribuir para um SGL alterado e aumento da dispersão mecânica.


Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.