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Dispersão Mecânica e Insuficiência Cardíaca: preditor de arritmia

Arritmias ventriculares malignas são umas das principais causas de morte nos pacientes com insuficiência cardíaca, sobretudo naqueles com fração de ejeção reduzida. Não à toa, o implante de cardiodesfibrilador (CDI) tem recomendação Classe I para prevenção primária de morte súbita naqueles com fração de ejeção (FE) ≤ 35%.

Neste contexto, em pacientes que tiveram indicação de implantar CDI, seja para prevenção primária ou secundária, a dispersão mecânica se mostrou preditor de arritmias ventriculares independente da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (VE).

Trago aqui um estudo que avaliou o impacto prognóstico da análise da dispersão mecânica (PSD) em pacientes com disfunção ventricular esquerda moderada e importante na estratificação de risco para arritmias ventriculares e morte súbita cardíaca.

Perry, R, Patil, S, Marx, C. et al. Advanced Echocardiographic Imaging for Prediction of SCD in Moderate and Severe LV Systolic Function. J Am Coll Cardiol Img. 2020 Feb, 13 (2_Part_2) 604–612.

Estudo observacional retrospectivo com pacientes clinicamente estáveis e com FE ≤ 45%, que realizaram estudo ecocardiográfico entre 2008 e 2014. Os pacientes avaliados tinham que ter pelo menos 40 dias pós admissão hospitalar por infarto miocárdico ou por insuficiência cardíaca e deveriam estar com o tratamento clínico otimizado.

Aqueles com (1) doença valvar moderada a importante ou (2) que tiveram a análise ecocardiográfica realizada durante a admissão hospitalar (para evitar a inclusão de pacientes instáveis) foram excluídos. Pacientes que necessitaram de implante de CDI durante o seguimento foram incluídos no estudo.

Um grupo controle, pareado pela idade, de 200 pacientes sem histórico de doença cardiovascular e com baixo risco cardiovascular foi selecionado para realizar a mesma avaliação ecocardiográfica.

O desfecho primário foi morte súbita cardíaca, arritmia ventricular sintomática ou choque apropriado do CDI.

Perry, R, Patil, S, Marx, C. et al. Advanced Echocardiographic Imaging for Prediction of SCD in Moderate and Severe LV Systolic Function. J Am Coll Cardiol Img. 2020 Feb, 13 (2_Part_2) 604–612.

Um total de 939 exames foram analisados. A idade média dos participantes foi de 70 anos (60-79) e 712 pacientes (76%) eram do sexo masculino. A média da fração de ejeção do VE foi de 37% (30-42%) e 527 pacientes (56%) tinham etiologia isquêmica da disfunção ventricular.

Perry, R, Patil, S, Marx, C. et al. Advanced Echocardiographic Imaging for Prediction of SCD in Moderate and Severe LV Systolic Function. J Am Coll Cardiol Img. 2020 Feb, 13 (2_Part_2) 604–612.

Mais da metade dos pacientes (n = 539, 57%) tinham FEVE > 35% no primeiro ecocardiograma. O seguimento médio foi de 91.4 ± 23.4 meses. Os 96 (10%) eventos de arritmia ventricular documentados foram: 41 mortes por evento arrítmico, 32 casos de arritmias ventriculares malignas (taquicardia/fibrilação ventricular sintomática) e 23 casos de terapia apropriada do CDI por TV/FV sustentada. 43 eventos (45%) ocorreram em pacientes com FE > 35%.

No grupo controle, o strain global longitudinal (SGL) médio foi de 20.4 ± 3.2% e a dispersão mecânica de 53.5 ± 11 ms.

Para predizer arritmia ventricular, a dispersão mecânica mostrou maior AUC (0.88) quando comparado com o SGL (0.61) e com a FEVE (0.59), considerando os valores de corte de ≥ 75 ms para o PSD, de 14% para o SGL e de 35% para a FEVE.

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Um PSD ≥ 75 ms apresentou sensibilidade de 91% e especificidade de 79% para para predizer evento arrítmico comparado com 90% de sensibilidade e 19% de especificidade para SGL ≤ 14% e com 45% de sensibilidade e 43% de especificidade para FE ≤ 35%.

Utilizando mais uma vez o ponto de corte de 75 ms para o PSD, foram documentados 09 eventos para aqueles pacientes com a dispersão mecânica inferior a este valor. Para aqueles com PSD ≥ 75 ms, por sua vez, 87 eventos de arritmias ventriculares foram registradas.

Já em relação a FEVE, foram documentados 43 eventos naqueles pacientes com FEVE > 35% e 53 eventos naqueles com FE ≤ 35%.

Na análise univariada, PSD ≥ 75 ms, FEVE ≤ 35%, fibrilação atrial, hipertensão e insuficiência cardíaca foram preditores de arritmias ventriculares.

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Na análise multivariada, por sua vez, apenas o PSD ≥ 75 ms (HR: 9.45; 95%IC: 4.75-18.81, p < 0.0001) foi preditor de arritmias ventriculares.

Quando ajustado pela idade, fibrilação atrial, presença de doença arterial coronária e pela FEVE, o PSD ≥ 75 ms continuou como preditor de arritmias ventriculares (HR: 9.61; 95%IC: 4.82-19.17, p < 0.0001).

Pacientes com PSD ≥ 75 ms e FEVE ≤ 35% tiveram maior propensão a apresentar algum evento arrítmico (p < 0.0001).

Perry, R, Patil, S, Marx, C. et al. Advanced Echocardiographic Imaging for Prediction of SCD in Moderate and Severe LV Systolic Function. J Am Coll Cardiol Img. 2020 Feb, 13 (2_Part_2) 604–612.

Vale destacar que entre os pacientes com PSD < 75 ms não houve diferenças em relação a presença de eventos arrítmicos entre os pacientes com disfunção ventricular importante (FEVE ≤ 35%) daqueles com disfunção ventricular moderada (FEVE 36-45%).

Acrescentando o PSD ≥ 75 ms em um modelo de estratificação de risco baseado apenas da FEVE resultou numa reclassificação de 37 pacientes com eventos evento documentado de arritmia ventricular para a categoria de “alto risco“.

Perry, R, Patil, S, Marx, C. et al. Advanced Echocardiographic Imaging for Prediction of SCD in Moderate and Severe LV Systolic Function. J Am Coll Cardiol Img. 2020 Feb, 13 (2_Part_2) 604–612.

No subgrupo submetido a estudo com ressonância magnética cardíaca, houve correlação entre o PSD e % do realce tardio.

Perry, R, Patil, S, Marx, C. et al. Advanced Echocardiographic Imaging for Prediction of SCD in Moderate and Severe LV Systolic Function. J Am Coll Cardiol Img. 2020 Feb, 13 (2_Part_2) 604–612.

O estudo conclui, portanto, que um PSD ≥ 75 ms se mostrou preditor de arritmias ventriculares em pacientes com disfunção ventricular esquerda moderada e importante, sendo um preditor independente de morte súbita e arritmias ventriculares inclusive naqueles com FE > 35%.

Estudos anteriores já haviam avaliado o impacto prognóstico da análise da dispersão mecânica no contexto de doença isquêmica. Muitos, porém, avaliaram os pacientes em fase precoce pós evento e, neste momento, a presença de edema pós isquemia poderia ser o responsável pelos achados e não a fibrose propriamente dita.

Em comparação com outros estudos que utilizaram a dispersão mecânica para predizer eventos arrítmicos, um valor > 75 ms se manteve como preditor independente da etiologia da disfunção ventricular.

Aqui, alguns exemplos de pacientes avaliados no estudo:

Paciente A – FEVE 44%, PSD 56 ms e SGL 12%. O paciente não apresentou arritmia ventricular durante o seguimento do estudo.

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Paciente B – FEVE 32%, PSD 32 ms, SGL 7%. O paciente não apresentou arritmia ventricular durante o seguimento do estudo.

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Paciente C – FEVE 43%, PSD 100 ms, SGL 10%. O paciente apresentou evento de arritmia ventricular durante o seguimento.

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Paciente D – FEVE 28%, PSD 81 ms, SGL 6%. O paciente apresentou arritmia ventricular durante o seguimento.

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Ainda em relação aos achados do estudo, trago aqui tabelas de acordo com cada etapa do seguimento:

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