VALVOPATIAS:
As diretrizes atuais recomendam intervenção (reparo/troca valvar) na presença de disfunção valvar significativa associada a presença de sintomas e/ou diminuição da fração de ejeção. É verdade, porém, quem em muitos casos a fração de ejeção (FE) pode estar preservada mesmo já havendo disfunção ventricular esquerda.
Estenose Aórtica: um strain < 13% já foi documentado como preditor de uma resposta anormal ao exercício nesses pacientes, com sensibilidade de 77% e especificidade de 83% (AUC 0.81, P < 0.01). A redução do strain também se associa com um maior índice de massa do ventrículo esquerdo (VE) e de espessura relativa, mostrando uma relação direta com o remodelamento concêntrico e disfunção contrátil.
Como parâmetro prognóstico, em um estudo com 163 pacientes portadores de estenose aórtica (EAo) moderada a severa, um strain < 15.9% foi preditor independente de eventos adversos (surgimento de sintomas, necessidade de troca valvar ou morte). Adda et al., por sua vez, demonstrou que a disfunção ventricular, pelo strain longitudinal, foi mais significativa naqueles com EAo baixo fluxo/baixo gradiente.
Os pacientes com esse perfil de EAo apresentaram redução significativa no strain basal quando comparados com aqueles pacientes portadores de EAo com perfil de fluxo normal e alto gradiente (11.6 ± 3.4% x 13.6 ± 3.2%, P<0.05). A sensibilidade e o valor prognóstico do strain é particularmente útil naqueles pacientes assintomáticos.
Nos pacientes com hipertrofia ventricular esquerda pronunciada e perfil baixo fluxo/baixo gradiente, o padrão do strain pode oferecer informações além do prognóstico. A presença de “apical-sparing”, por exemplo, pode sugerir amioloidose cardíaca ATTR.
Em uma meta-análise, oito diferentes estudos demonstraram o papel do SGL em predizer morte (AUC 0.68) nos pacientes com EAo importante assintomática. O ponto de corte de 14.7% mostrou sensibilidade de 60% e especificidade de 70%, com um risco de morte 2,5 vezes maior nestes pacientes.
Uma outra meta-análise, esta com 12 estudos, mostrou o valor prognóstico da análise pré-procedimento pelo SGL do VE nos pacientes com EAo importante submetidos à troca valvar aórtica. Quanto menor o SGL do VE neste cenário, maior é risco de mortalidade por todas as causas e eventos adversos maiores comparado com pacientes do mesmo perfil e com SGL mais elevados.
Insuficiência Aórtica: as recomendações atuais para intervenção na insuficiência aórtica se baseiam no diâmetro ventricular esquerdo e na fração de ejeção para a determinação do momento ideal para se indicar uma cirurgia. Assim, ferramentas mais sensíveis são necessárias e o strain longitudinal tem sido alvo de estudos neste cenário.
Naqueles pacientes em tratamento clínico, um SGL do VE de 18% foi o ponto de corte ideal para definir progressão de doença para uma fase sintomática ou até mesmo para uma condição de insuficiência cardíaca. Um valor de 14%, por outro lado, foi preditor de desfechos desfavoráveis naqueles pacientes submetidos à troca valvar aórtica.
Pacientes com insuficiência aórtica (IAo) moderada a severa e IAo severa, o SGL do VE em repouso também se mostrou como forte preditor independente para a necessidade de uma intervenção precoce.
Um SGL do VE < 19.5% se associou a menor sobrevida, sobretudo naqueles pacientes que não foram submetidos a cirurgia valvar, com um aumento de 2x na mortalidade na comparação com pacientes que não foram operados, mas que apresentavam SGL preservado.
Ainda, o SGL se associou de forma independente com mortalidade por todas as causas (HR 1.11 para cada 1% de redução, P = 0.003). Todos esses estudos apresentam um tempo de seguimento relativamente curto e utilizaram uma variedade de desfechos, como por exemplo sobrevida em 01 ano, necessidade de troca valvar aórtica, alterações nas dimensões do VE e melhora de sintomas.
Insuficiência Mitral: nos pacientes com insuficiência mitral (IMi) importante, a FEVE pode permanecer dentro da faixa de normalidade por um longo período mesmo após o desenvolvimento de alterações na contratilidade miocárdica. A detecção precoce da disfunção ventricular esquerda, portanto, é primordial e pode favorecer na tomada de decisão terapêutica.
O SGL se mostrou, em vários estudos, como sendo um parâmetro robusto e mais sensível tanto no que diz respeito ao diagnóstico (da disfunção miocárdica) quanto como variável prognóstica na comparação com a FEVE.
Espera-se, assim como ocorre na fração de ejeção, um valor > 20% do SGL nesses pacientes, que se caracterizam por apresentar um aumento da pré-carga associado a um volume ejetado diminuído pela presença da regurgitação valvar.
À medida em que há uma diminuição do SGL, há também uma piora prognóstica, o que pode sugerir a necessidade de uma intervenção mais precoce.
Nos pacientes com IMi primária significativa, assintomáticos e com FEVE preservada que foram submetidos à cirurgia valvar mitral, o BNP e o SGL apresentaram um potencial sinérgico na estratificação de risco independe da presença de outros fatores.
Estenose Mitral (EMi): a análise do strain nos pacientes com estenose mitral tem demonstrado uma diminuição significativa do stroke volume e do SGL do VE comparando com indivíduos normais. Sengupta et al., mostrou que aproximadamente 85% dos pacientes com EMi importante apresentavam SGL no quartil inferior em relação ao grupo controle.
Insuficiência Tricúspide (IT): a insuficiência tricúspide significativa (severa) se associa a um pior prognóstico, sobretudo pela disfunção ventricular direita a que ela pode levar. Apesar de dados limitados, estudos enfatizam o valor prognóstico incremental do strain da parede livre do ventrículo direito (VD) em relação aos parâmetros convencionais de avaliação da função sistólica desta cavidade, como o FAC e TAPSE.
Prihadi et al., demonstrou que um valor <23% do strain de parede livre do VD foi capaz de predizer mortalidade por todas as causas em 896 pacientes com IT funcional significativa. Um outro estudo subsequente, com 115 pacientes submetidos a cirurgia cardíaca pela presença de IT funcional significativa isolada mostrou que um strain de parede livre do VD < 24% foi preditor de mortalidade por todas as causas e rehospitalização durante um seguimento de 05 anos pós-cirurgia.
De uma forma geral, mais importante do que o valor número do SGL, a documentação de uma diminuição durante o seguimento dos pacientes com alguma valvopatia tem um valor prognóstico significativo.
RESUMO:
– SGL do VE é uma ferramenta prognóstica útil nos pacientes com EAo, sobretudo naqueles assintomáticos e naqueles com perfil baixo fluxo/ baixo gradiente. Um valor < 14% aumenta o risco de morte em 2.5 vezes nos pacientes com EAo importante assintomática;
– Um SGL reduzido se associou com piores desfechos tanto nos pacientes conduzidos conservadoramente quanto naqueles submetidos à intervenção cirúrgica no contexto da IAo, embora um ponto de corte ainda não esteja amplamente definido;
– Nos pacientes com IMi primária importante, o SGL do VE deve estar supranormal, com um prognóstico desfavorável observado naqueles com valores < 20%. Já na IMi secundária, a utilização desta ferramenta ainda não está bem estabelecida;
– O strain de parede livre do VD deve ser utilizado nos pacientes com IT significativa para estratificação de risco antes de uma intervenção. Um valor < 23% sugere piores desfechos.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.