Dando continuidade a análise da nova diretriz, vamos abordar aqui sobre as aplicações práticas do strain …
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA:
A fração de ejeção do VE tradicionalmente tem sido o parâmetro de imagem mais importante na avaliação da insuficiência cardíaca. Contudo, a capacidade de detecção precoce, avaliação seriada da função, predizer prognóstico e auxiliar na tomada da decisão terapêutica são todos benefícios potenciais possíveis através do strain.
Nos estágios A (fatores de risco) e B (fase assintomática), um SGL reduzido tem impacto prognóstico nos pacientes diabéticos, hipertensos e obesos. Desta forma, o SGL deve ser reportado quando realizado ecocardiograma nesses pacientes para que confira informações prognósticas adicionais.
Já no contexto de aumento da massa ventricular esquerda, condição não específica e que tem como mecanismos mais comuns o (1) aumento da pós-carga (hipertensão, estenose aórtica), (2) doença miocárdica (cardiomiopatia hipertrófica) e (3) doenças infiltrativas, o SGL pode auxiliar.
O SGL costuma estar significativamente reduzido nas doenças miocárdicas primárias e nas doenças infiltrativas, e a distribuição (padrão) do strain anormal pode fornecer dicas sobre as possíveis etiologias. Por exemplo, uma redução segmentar septal do strain pode ser observada na cardiomiopatia hipertrófica septal assimétrica; uma redução predominante dos segmentos médios e basais, na cardiomiopatia hipertensiva; e o famoso “apical-sparing“, embora não patognomônico, pode sugerir amiloidose cardíaca.
Embora pacientes com SGL anormal no contexto de hipertensão arterial, diabetes e obesidade estejam sob maior risco de desenvolver insuficiência cardíaca (IC), ainda não há evidências que sustentem a indicação do uso do strain como ferramenta de screening e, por consequência, para a prevenção de IC.
A presença de um SGL anormal (< 16%) ou limítrofe (16-18%) associado a outras alterações ecocardiográficas devem ser considerados como um marcador de IC em estágio B.
Nos pacientes com IC e fração de ejeção reduzida (FEVE < 40%), apesar da FEVE ser um fator prognóstico importante, este parâmetro possui variabilidade inerentes e que são influenciadas pela qualidade da imagem e geometria ventricular. Neste cenário, o SGL, variável com significativa correlação com a FEVE, é capaz de predizer, de forma independente, desfechos clínicos.
Um SGL < 6.95% (!!!) foi capaz de predizer pior prognóstico, com desfechos incluindo morte, transplante cardíaco e hospitalização, e para cada 1% de redução do strain global longitudinal houve associação com 15% maior risco de mortalidade nos pacientes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida (ICFEr).
Ainda, o SGL é superior a FEVE em predizer mortalidade. Nos pacientes com IC aguda, por exemplo, reduções moderada e significativa do SGL se correlacionaram com maior mortalidade, algo não observado com a FEVE.
Por outro lado, para cada 1% de melhora no valor do SGL houve associação com melhora de 10% na FEVE > 40%, resultando em insuficiência cardíaca com fração de ejeção melhorada.
Em outro cenário possível, mesmo com melhora da FEVE, um SGL persistentemente reduzido continua sendo um importante preditor de eventos adversos. Tais achados enfatizam a necessidade da avaliação do strain de rotina nesses pacientes.
Mais recentemente, o strain do AE (reservatório) e de parede livre do ventrículo direito também se mostraram relevantes como ferramenta prognóstica na ICFEr independentemente da FEVE e do SGL.
A IC com fração de ejeção preservada (ICFEp) constitui um grupo heterogêneo e de diferentes etiologias, caracterizada por FEVE ≥ 50% associada a algum grau de disfunção diastólica, sistólica ou microvascular, além da presença de sintomas de IC ou intolerância ao exercício.
Nesses pacientes, o SGL costuma estar reduzido e as características do bull´s-eye podem auxiliar no diagnóstico etiológico. Da mesma forma que na ICFEr, a redução do SGL apresenta valor prognóstico.
Como consequência do aumento das pressões de enchimento e resistência vascular pulmonar, pode haver redução do strain de parede livre do VD em estágios mais avançados da ICFEp. Já nas doenças infiltrativas, esta redução pode ocorrer já em estágios iniciais da doença.
CARDIOMIOPATIAS x CORAÇÃO DE ATLETA:
No cenário de zona cinzenta (doença x adaptação induzida pela atividade física de alta intensidade), o strain é ferramenta crucial. Mesmo na presença de aumento cavitário ou aumento da espessura miocárdica, a adaptação induzida pela atividade física usualmente se associa com SGL relativamente preservado.
As adaptações não se restringem apenas ao ventrículo esquerdo e também podem levar a alterações equivalentes nas câmaras cardíacas direitas. Aqui, mais uma vez, temos o strain de parede livre do VD preservado apesar das alterações estruturais presentes.
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Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.