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Defeitos do Septo Interventricular – o desafio quanto à classificação

Joana Barreto Bittencourt

Resumo

O defeito do septo ventricular é a cardiopatia congênita mais comum, no entanto, não há consenso sobre como descrever e classificar essa malformação. Dentro deste contexto, a sociedade Internacional de Nomenclatura de Doença cardíaca pediátrica e congênita (SINDCPC) propôs um sistema de categorização dos tipos de defeito do septo ventricular, unificando e tornando mais objetivo as descrições e nomenclaturas.

Introdução

O defeito do septo ventricular, de forma isolada, é a malformação cardíaca congênita mais comum representando aproximadamente 30% das cardiopatias congênitas. (1) No entanto, não há consenso sobre como descrever e categorizar essa malformação. (2)

Um dos sistemas atualmente usados ​​para a categorização dos defeitos do septo ventricular é baseado no entendimento de que, durante o desenvolvimento, o septo ventricular é derivado de quatro fontes diferentes. Esses componentes foram descritos como o septo do canal atrioventricular, o seio ventricular septo, e os componentes proximal e distal do septo de saída. (3)

No entanto, a definição e classificação dos defeitos do septo ventricular tem sido questionada ao longo dos anos e novas classificações sugeridas, sendo este o foco de análise desta revisão de literatura.

Métodos

Foi realizada uma revisão bibliográfica sobre como classificar o defeito do septo ventricular, sendo a busca de artigos realizada por meio do PUBMED, usando como descritores: classificação do defeito do septo ventricular. Foram encontrados 570 artigos em inglês, após os filtros texto completo de artigos de revisão foram encontrados 40 trabalhos e entre o período de 2014 a 2021 foram selecionados  8 estudos.  Ao utilizar o filtro com a presença das palavras chaves defeito do septo ventricular no título do artigo foram encontrados 4 artigos.

Resultados

A Sociedade Internacional de Nomenclatura de Doença cardíaca pediátrica e congênita (SINDCPC) é um grupo de especialistas em cardiologia pediátrica, cirurgia cardíaca, morfologia cardíaca e patologia cardíaca que se reúne anualmente nos últimos 9 anos em um esforço para unificar por consenso as divergentes formas de descrever defeitos dos septos ventriculares. (2)

Esses esforços culminaram em aceitação do sistema de classificação pela Organização Mundial da Saúde na 11ª Iteração da Classificação Internacional de doenças. (2)

O esquema para categorizar o defeito do septo ventricular usa tanto sua localização e as estruturas ao longo de suas fronteiras, construindo uma ponte sobre o duas abordagens de classificação mais populares e díspares e fornecendo uma linguagem comum para descrever cada fenótipo. (2)

A sociedade reconhece que é igualmente válido classificar estes defeitos por geografia ou fronteiras, devendo ser incorporados ambos para descrever cada fenótipo. A terminologia unificada deve ajudar a comunidade médica a descrever com melhor precisão todos os tipos de defeitos septais ventriculares. (2)

A ISNPCHD propôs um sistema de classificação que usa os termos com seus códigos de 6 dígitos vinculados ao Código  International Cardíaco Pediátrico e Congênito (CICPC) para pavimentar o caminho para o consenso (Tabela 1). Este sistema, que inclui definições, sinônimos e comentários, foi aceito pela Organização Mundial da Saúde e incorporado à camada de base da 11ª iteração da Classificação Internacional de Doenças (CID-11) (2)

Os termos tentam incorporar as opiniões dos cardiologistas, cirurgiões e patologistas de programas usando todo o espectro de sistemas de nomenclatura. Não há intenção de declarar uma terminologia como correto e outro incorreto. Em vez disso, o objetivo é construir um sistema viável com o mínimo de ambiguidade que possa ser alcançado. (2)

Os artigos trazem a importância do ecocardiograma não apenas para avaliar as características anatômicas mas também distinguir os diferentes tipos de defeitos do septo ventricular.(4)

As janelas ecocardiográficas devem mostrar se os defeitos são musculares ou perimembranosos, se abrem centralmente, ou em direção à entrada ou à saída do ventrículo direito. (4)

No geral, a soma das imagens determinam a localização do defeito, e mostra sua relação precisa com as estruturas vizinhas.

A classificação da SINDCPC inclui sinônimos para descrever o mesmo fenótipo, enfatizando a interdependência de geografia e fronteiras.  Além disso, reconhece que dois ou mais tipos de defeitos podem coexistir no mesmo coração. (2)

A classificação proposta por SINDCPC, inclui: (2)

1- Defeitos Perimembranosos Centrais

Refere-se especificamente para a natureza fibrosa do defeito na borda póstero-inferior e é usado para complementar a definição geográfica. Geralmente envolve a área de continuidade fibrosa entre a válvula atrioventricular (AV) e a válvula arterial. Em corações com conexões AV concordantes, é nesta região que a tricúspide e as válvulas aórticas estão em continuidade fibrosa. (2)

São geralmente localizados na comissura ântero-septal atrás do folheto septal da válvula tricúspide e abaixo da comissura entre os folhetos direito e não coronário da válvula aórtica. (2). A válvula aórtica pode prolapsar através do defeito para o ventrículo direito, com distorção associada e frequentemente resultando em regurgitação aórtica. Esses defeitos estão localizados abaixo e atrás do membro póstero-inferior da banda septal O membro póstero-inferior não se estende para a prega ventrículo-infundibular, geralmente permitindo a continuidade fibrosa entre a tricúspide e válvulas aórticas na borda póstero-inferior do defeito. Como resultado, o sistema de condução AV é vulnerável à lesão ao passar pelo vértice do triângulo de Koch no músculo logo abaixo desta fibra póstero-inferior à borda. Sinônimos comuns para defeito perimembranosa central incluem membranoso, perimembranoso, paramembranoso, e subaórticos por exemplo. (2)

Defeitos perimembranosos com extensão de entrada foram classificados como defeitos de entrada perimembranosos. Defeitos perimembranosos com extensão de saída anterior, bem como defeitos do septo conoventriculares com saída desalinhadas, são geralmente classificados como defeitos de saída. (2)

Quando há apenas uma pequena extensão de entrada ou saída, diferenciação do defeito central da entrada ou saída pode ser difícil por imagens não invasivas. Nesses casos, inspeção visual direta durante a cirurgia ou avaliação morfológica pode ser a única maneira de distinguir um do outro. (2)


Figura 01: Defeito do septo perimembranoso central. Extraída do artigoClassification of Ventricular Septal Defects for the Eleventh Iteration of the International Classification of DiseasesStriving for Consensus: A Report From the International Society for Nomenclature of Paediatric and Congenital Heart Disease. (2)

A característica diagnóstica do defeito perimembranoso pelo ecocardiograma é a presença de continuidade fibrosa entre os folhetos valvares no quadrante póstero-inferior do defeito, com o corpo fibroso central formando parte da área de continuidade. (4)


Figura 2A                Figura 2B
Figura 2. Janela subxifóide de quatro câmaras pelo ecocardiograma mostra a continuidade fibrosa entre os folhetos do valvas aórtica e tricúspide que revela o defeito septal perimembranoso (seta branca) na figura 2A, e abrindo para a entrada do ventrículo direito na figura 2B. Nota-se fluxo do Doppler colorido demonstrando o shunt da direita para a esquerda na figura 2B. (4)

2- Defeitos de entrada

Os defeitos da entrada abrem na entrada do ventriculo direito e se estendem ao longo do folheto septal da válvula tricúspide. Eles estão localizados abaixo do músculo papilar medial, membro postero-inferior da banda septal e comissura ântero-septal da válvula tricúspide. (2)

Os defeitos perimembranosos de entrada ou defeitos perimembranosos posteroinferior com extensão de entrada são delimitadas ântero-superiormente pela área de continuidade fibrosa entre os folhetos de uma válvula AV e uma válvula arterial. Como a condução do sistema percorre sua borda póstero-inferior, o fechamento cirúrgico deve envolver suturas ao longo do anel do folheto septal da válvula tricúspide longe da borda póstero-inferior para evitar bloqueio cardíaco. (2)

Defeitos musculares de entrada estão em um local semelhante, mas eles têm exclusivamente bordas musculares e não são contínuas com  tecido valvar AV. Ao contrário dos defeitos perimembranosos da entrada, o sistema de condução segue próximo, mas não ao longo da borda superior de um defeito muscular de entrada. (2)

Os defeitos perimembranosos de entrada são ainda subdivididos naqueles com alinhamento do septo atrial e parte póstero-inferior do septo ventricular muscular e aqueles com desalinhamento. (4)


Figura 3: Defeito do septo perimembranoso de via de entrada. Extraída do artigoClassification of Ventricular Septal Defects for the Eleventh Iteration of the International Classification of DiseasesStriving for Consensus: A Report From the International Society for Nomenclature of Paediatric and Congenital Heart Disease. (2)

3-Defeitos musculares

Estão localizados dentro do componente do músculo apical  do septo ventricular. Muitos defeitos musculares trabeculares se fecham espontaneamente sem intervenção. Alguns são complexos, com várias entradas e saídas em ambos os lados do septo ventricular. (2)

Os musculares de entrada estão localizados no músculo trabecular apical,  na entrada do ventrículo direito. Jå os defeitos musculares de saída abrem na saída do ventrículo direito e são formados por causa da fusão falhada entre o coxim muscular proximal e o septo muscular trabecular. (2)

Esses defeitos septais interventriculares são ainda classificados por sua localização dentro do septo muscular trabecular. A subclassificação mais comumente usada envolve os termos muscular septal médio, apical e póstero-inferior . (2)


Figura 4: Defeito do septo ventricular muscular tipo de entrada. Extraída do artigoClassification of Ventricular Septal Defects for the Eleventh Iteration of the International Classification of DiseasesStriving for Consensus: A Report From the International Society for Nomenclature of Paediatric and Congenital Heart Disease. (2)

Os defeitos musculares são envolto na musculatura do septo ventricular. Em alguns pacientes com defeitos musculares, pode haver desalinhamento entre os componentes septais. (4)


Figura 5A.                                                                     Figura 5B.
Figura 5A.  Imagem de ecocardiograma no eixo transversal, mostra defeito do septo ventricular apical (seta branca)
Figura 5B. Mapa de fluxo Doppler colorido de um defeito do septo ventricular muscular (seta branca). (4)

4-Defeitos de saída

Os defeitos de saída abrem para a saída do ventrículo direito entre os membros da banda septal. Eles podem ou não estar associados com desalinhamento entre o septo de saída e a parte apical do septo muscular. Eles podem ser ainda subdivididos em defeitos  de saída perimembranosos, defeitos de saída muscular e defeitos com justaposição duplamente comprometida (defeitos com borda muscular posteroinferior ou fibroso). (2)

Os defeitos perimembranosos de saída são geralmente associados com septo de saída mal alinhado. Esses defeitos geralmente envolvem descontinuidade entre o membro postero-inferior da banda septal e a prega ventrículo-infundibular, permitindo a continuidade fibrosa entre a tricúspide e válvulas aórticas. Mais uma vez, o sistema de condução AV é vulnerável à medida que percorre a borda póstero-inferior do defeito(2).

Os defeitos perimembranosos de saída também são distinto de defeitos perimembranosos centrais porque os primeiros são geralmente adjacentes ao folheto anterior e os últimos são geralmente adjacentes ao folheto septal da válvula tricúspide. (2)

Quando o septo de saída muscular é hipoplásico e alinhado com a parte apical do septo muscular, o defeito de saída assim formado geralmente tem exclusivamente bordas musculares sem continuidade fibrosa entre os folhetos das válvulas aórtica e pulmonar. Estes defeitos são considerados defeitos musculares de saída sem desalinhamento. (2)

Quando o septo de saída muscular está ausente (quando há um septo de saída puramente fibroso), a borda cranial do defeito é a área de continuidade fibrosa entre as válvulas pulmonar e aórtica, destacando a deficiência parcial do infundíbulo  subpulmonar autônomo. Essas lesões também são descritas como justa-arteriais duplamente  comprometidos, e a saída fibrosa do septo pode ser alinhada ou desalinhada em relação ao apical. (2)


Figura 03: Defeito do septo ventricular permembranoso tipo via de saída. Extraída do artigoClassification of Ventricular Septal Defects for the Eleventh Iteration of the International Classification of DiseasesStriving for Consensus: A Report From the International Society for Nomenclature of Paediatric and Congenital Heart Disease. (2)

Esquema de classificação de defeito do septo ventricular da Sociedade Internacional de Nomenclatura de Doenças Cardíacas Congênitas e Pediátricas (Código Internacional Pediátrico e Cardíaco Congênito 07.10.00) conforme incorporado na Classificação Internacional de Doenças-11ª Iteração

1. DSV central perimembranoso (07.10.01)

2. DSV de entrada sem junção AV comum (07.14.05)

a. DSV perimembranoso de entrada sem mau-alinhamento do septo AV e sem junção AV comum (07.10.02)

b. DSV perimembranoso de entrada com mau-alinhamento do septo AV e sem junção AV comum (14.07.06)

c. DSV muscular de entrada (07.11.02)

3. DSV muscular trabecular (07.11.01)

a. DSV muscular trabecular: mesosseptal (07.11.04)

b. DSV muscular trabecular: apical (07.11.03)

c. DSV muscular trabecular: postero-inferior (07.11.12)

d. DSV muscular trabecular: anterosuperior (07.11.07)

e. DSV muscular trabecular: múltipla (septo “queijo suíço”) (11.07.05)

4. DSV de via de saída(07.12.00)

a. DSV de via de saída sem mau-alinhamento (07.12.09)

               i. DSV de via de saída muscular sem mau-alinhamento (07.11.06)

               ii. DSV justa-arterial duplamente relacionada sem mau-alinhamento (07.12.01)

                               1. CIV justa-arterial duplamente comprometida sem mau-salinhamento e com borda póstero-inferior muscular (07.12.02)

                               2. CIV justa-arterial duplamente comprometida sem desalinhamento e com borda póstero-inferior fibrosa (perimembranosa extensão) (12.07.03)

b. DSV de via de saída com septo mau-alinhado anteriormente (07.10.17)

               i. DSV de via de saída com septo muscular mau-alinhado anteriormente (11.07.15)

               ii. DSV de via de saída com septo perimebranoso mau-alinhado anteriormente (07.10.04)

               iii. DSV de via de saída justa-arterial duplamente relacionado com septo fibroso mau-alinhado anteriormente (07.12.12)

                               1. DSV justa-arterial duplamente relacionado com septo fibroso mau-alinhado anteriormente e com borda muscular postero-inferior (07.12.07)

                               2. DSV justa-arterial duplamente relacionado com septo fibroso mau-alinhado anteriormente e com borda fibrosa postero-inferior (extensão perimembranosa) (07.12.05)

c. DSV de via de saída com septo mau-alinhado posteriormente (07.10.18)

               i. DSV de via de saída muscular com septo mau-alinhado posteriormente (11.07.16)

               ii. DSV de via de saída perimembranosa com septo mau-alinhado posteriormente (07.10.19)

               iii. DSV de via de saída justa-arterial duplamente relacionado com septo fibroso mua-alinhado posteriormente (12.07.13)

                               1. CIV de via de saída duplamente relacionado justa-arterial com septo fibroso mau-alinhado posteriormente e borda muscular postero-inferior (12.07.08)

                               2. CIV de via de saída duplamente relacionada justa-arterial com septo fibroso mau-alinhado posteriormente e com borda fibrosa postero-inferior (extensão perimembranosa) (07.12.06)

Classificação dos defeitos do septo ventricular proposto pela Sociedade Internacional de Doenças Cardíacas Congênitas e Pediátricas- Tabela modificada (2)

Classificação dos defeitos do septo ventricular proposto pela Sociedade Internacional de Doenças Cardíacas Congênitas e Pediátricas. (2).

Conclusão

A classificação do defeito do septo ventricular ainda é controversa, mesmo esta sendo de forma isolada a cardiopatia congênita mais comum.

Esta revisão teve como objetivo avaliar as nomenclaturas existentes para os defeitos do septo ventricular e concluiu que  novas classificações como a proposta por SINDCPC poderá tonar mais completo e pragmático o processo de categorização do defeito de septação ventricular e permitir melhor entendimento e comunicação entre as especialidades médicas. Destaca-se a importância do ecocardiograma para diagnosticar e classificar o defeito do septo ventricular.

Referências

1- Yang, L., Tai, B. C., Khin, L. W., & Quek, S. C. (2014). A systematic review on the efficacy and safety of transcatheter device closure of ventricular septal defects (VSD). Journal of Interventional Cardiology, 27, 260–272.

2- Lopez L, Houyel L, Colan SD, Anderson RH, Béland MJ, Aiello VD, Bailliard F, Cohen MS, Jacobs JP, Kurosawa H, Sanders SP, Walters HL 3rd, Weinberg PM, Boris JR, Cook AC, Crucean A, Everett AD, Gaynor JW, Giroud J, Guleserian KJ, Hughes ML, Juraszek AL, Krogmann ON, Maruszewski BJ, St Louis JD, Seslar SP, Spicer DE, Srivastava S, Stellin G, Tchervenkov CI, Wang L, Franklin RCG. Classification of Ventricular Septal Defects for the Eleventh Iteration of the International Classification of Diseases-Striving for Consensus: A Report From the International Society for Nomenclature of Paediatric and Congenital Heart Disease. Ann Thorac Surg. 2018 Nov;106(5):1578-1589. doi: 10.1016/j.athoracsur.2018.06.020. Epub 2018 Jul 19. PMID: 30031844.

3- Anderson RH, Tretter JT, Spicer DE, Mori S. The Fate of the Outflow Tract Septal Complex in Relation to the Classification of Ventricular Septal Defects. J Cardiovasc Dev Dis. 2019;6(1):9. Published 2019 Feb 21. doi:10.3390/jcdd6010009

4- Spicer DE, Hsu HH, Co-Vu J, Anderson RH, Fricker FJ. Ventricular septal defect. Orphanet J Rare Dis. 2014 Dec 19;9:144. doi: 10.1186/s13023-014-0144-2. PMID: 25523232; PMCID: PMC4316658.

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