Durante a atual pandemia causada pela novo coronavírus, estamos observando um número significativo de complicações cardíacas em pacientes com a COVID-19, mesmo naqueles sem cardiopatia estrutural preexistente. Desta forma, há um crescente interesse entre os cardiologistas pelo estudo do acometimento miocárdico da doença a fim de se conhecer os mecanismos fisiopatológicos envolvidos nesse processo para que se possa oferecer uma assistência adequada a esses pacientes.
Em recente revisão publicada no ABC Cardiol, foram demonstrados os principais achados etiofisiopatológicos e a correlação com as principais formas clínicas do componente cardiogênico nesses pacientes.
Sabe-se que o acometimento miocárdico, até então observado, pode ter apresentação muito variável, partindo desde apenas alterações dos marcadores de lesão miocárdica sem repercussão clínica até quadros mais dramáticos com franca disfunção ventricular e choque cardiogênico. O fenômeno que se tem documentado é de injúria miocárdica aguda, muitas vezes sendo necessário afastar doença coronária obstrutiva, associada ou não à disfunção ventricular, provavelmente associada à tempestade de citocinas e outros fatores que podem promover, de forma sinérgica, lesão miocárdica, tais como: hiperativação simpática, hipoxemia, hipotensão arterial e fenômenos trombóticos microvasculares.
A seguir, iremos listar alguns desses mecanismos envolvidos na agressão miocárdica associado a infecção pela COVID-19:
- Desequilíbrio entre oferta e demanda: situações de grave estresse fisiológico, como sepse e insuficiência respiratória, presentes em pacientes com COVID-19, estão associadas a elevação de biomarcadores de lesão miocárdica, determinando piora significativa do prognóstico desses pacientes;
- Lesão microvascular: alterações nos sistema de coagulação e fibrinolítico estão presentes de maneira importante em pacientes com COVID-19, observando-se CIVD na maioria dos pacientes que vão à óbito. O aumento de citocinas (IL-6 e TNF-alfa), bem como a lesão endotelial, aumentam a expressão de fator tecidual, determinando um estado pró-trombótico. Por outro lado, a desregulação da antitrombina III, do inibidor do plasminogênio tipo I (PAI-I) e da proteína C em situações de inflamação e sepse significativas promovem um estado de anticoagulação. Essas alterações justificam o elevado índice de trombo intracavitários ou fenômenos microtrombóticos observados nestes pacientes;
- Cardiomiopatia por estresse: o mecanismo ainda não está bem estabelecido, contudo acredita-se que disfunção microvascular, tempestade de citocinas e aumento simpático estejam implicados na gênese de casos de Takotsubo, documentados na vigência de COVID-19;
- SCA não obstrutiva: a resposta imune à infecção viral aguda e ao aumento concomitante de citocinas e mediadores inflamatórios podem levar à inflamação arterial localizada, que pode ser mais pronunciada nas placas coronarianas. A entrada de produtos virais na circulação sistêmica pode causar ativação inata do receptor imune, levando à ativação de células imunes residentes em ateromas preexistentes, podendo determinar ruptura da placa. Por fim, a disfunção endotelial da infecção e inflamação pode determinar vasoconstricção com diminuição do fluxo coronariano;
- Lesão miocárdica viral direta: o miocárdio humano expressa o receptor utilizado SARS-Cov-2 para infectar as células hospedeiras, a ECA-2. Diante do contexto pandêmico e alto risco de contágio do novo coronavírus, o que implica em limitações para a realização de necropsias, existem apenas poucos relatos na literatura com a documentação de inclusões virais ou DNA viral detectado no tecido miocárdico. Além disso, a infecção pelo novo coronavírus é causada pela ligação da proteína spike da superfície viral ao receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ECA-2). A ECA-2, por sua vez, é expressa no pulmão, principalmente nas células alveolares do tipo II, e parece ser a porta de entrada predominante. Ao se ligar à ECA-2, o SARS-Cov-2 gera downregulation desta enzima e determina aumento dos níveis de angiotensina II, o que pode levar a efeitos deletérios da ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, tais como vasoconstrição, alteração da permeabilidade vascular, remodelamento miocárdico e injúria aguda.
#Caso clínico 1
Mulher, 91anos, hipertensa, há 05 dias com sintomas respiratórios e diagnóstico confirmado de COVID-19. Evoluiu com epigastralgia associada a tontura e êmese. Exames laboratoriais com elevação significativa de Troponina.
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Paciente encaminhada para unidade de terapia intensiva, onde foi realizado ecocardiograma transtorácico à beira do leito enquanto aguardava realização de cateterismo cardíaco.
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#Caso clínico 2
Paciente, 52 anos, admitido com dispneia e diagnóstico de COVID-19 confirmado laboratorialmente. Evoluiu com hipotensão e suspeita clínica de embolia pulmonar com disfunção de ventrículo direito (mesmo na vigência de uso de Heparina), sendo optado por terapia trombolítica após realização de ecocardiograma transtorácico.
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Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.