O contraste espontâneo (CE), observado pela ecocardiografia, é um fenômeno originado a partir da agregação de componentes celulares do sangue, no contexto de fluxo sanguíneo anormal. É, portanto, um marco de hipercoagulabilidade e comumente observado no átrio esquerdo (AE) em casos de fibrilação atrial (FA).
Caracterizado como uma “névoa” ou “fumaça”, com ecogenicidade variável e mobilidade lentificada, reflete a baixa velocidade de fluxo sanguíneo. Por esta razão, é fácil entendermos sua presença em situação que geram lentificação de fluxo intracavitário (estenose valvar mitral, fibrilação atrial, disfunção sistólica importante…).
A fisiopatologia precisa relacionada à formação de CE ainda não é totalmente compreendida. Os primeiros estudos acreditavam que a sua presença seria condicionada a formação de rouleux eritrocitário*, correlacionando a presença de contraste espontâneo ao aumento do RDW.
*Presença de hemácias empilhadas, como moedas, resultante principalmente de aumento de proteínas plasmática.
Estudos subsequentes demonstraram uma relação concentração-dependente entre o hematócrito e fibrinogênio na formação do CE. Também existem evidências sugerindo que a ativação leucocitária e de plaquetas levem à formação de agregados celulares ecogenicamente perceptíveis.
Seria possível, então, encontrarmos CE em coração estruturalmente e funcionalmente normal? A resposta é sim!
Algumas situações hematológicas podem justificar a presença de CE em coração estruturalmente normal. Situações como anemia hemolítica, com macrocitose, associada a púrpura trombocitopênica autoimune já foram relatadas como causa de contraste espontâneo intracardíaco.
Neoplasias hematológicas, como leucemia linfocítica crônica, também podem gerar CE. Neste caso, além da doença em si, alguns medicamentos utilizados nesses pacientes, como Ibrutinib e Lenalidomib, se associam à FA (podendo levar a formação de CE no átrio esquerdo).
Aqui temos a presença de contraste espontâneo nas 4 cavidades cardíacas em um coração estruturalmente e funcionalmente normal. Paciente com diagnóstico de leucemia linfocítica crônica e com quadro recente de COVID19.
Acredita-se que, muito mais que valores de hemoglobina, hematócrito ou série leucocitária, o RDW tenha importante papel na formação do CE.
Além de doenças hematológicas, a COVID 19 (sempre ela!!!) também pode causar CE. Connor-Schuler et al, em análise retrospectiva, observou a presença de CE em mais de 50% de pacientes admitidos em UTI com COVID 19, ao realizar ultrassonografia point-of-care. Este achado foi mais comum nos pacientes com D-dímero > 5.000 ng/mL (especificidade 0.97), com odds ratio de 7 para a formação de trombo.
Trazendo a discussão agora mais para a ecocardiografia, você sabia que existe um modelo de graduação do CE, proposto por Fatkin et al. ? A classificação é baseada na intensidade, localização e na presença de movimento do contraste espontâneo. No entanto, vale ressaltar que a quantificação do CE na prática clínica é difícil e depende da qualidade da imagem, configurações de ganho e experiência do operador.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.