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Classificação Funcional da Insuficiência Aórtica: exemplos práticos

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Entender o mecanismo pelo qual uma valva se tornou disfuncionante é fundamental no planejamento terapêutico desta alteração. O ecocardiograma, como ferramenta crucial neste processo, não deve se limitar apenas a descrever o tipo de lesão (estenose x insuficiência) e sua graduação.

Se faz necessário a descrição (de forma objetiva e de fácil entendimento) das alterações associadas e das possíveis repercussões presentes, no contexto de uma valvopatia, que possam auxiliar no entendimento da gênese daquela alteração. 

No caso das lesões regurgitantes da valva aórtica, existe uma classificação funcional proposta por El Khoury cujo objetivo é auxiliar na escolha mais adequada da técnica cirúrgica de reparo, quando esta estiver indicada.  

Esta classificação divide o refluxo aórtico em três diferentes grupos:  

Tipo I: aumento da raiz de aorta ou perfuração das cúspides; 

Tipo II: prolapso das cúspides; 

Tipo III: restrição de mobilidade das cúspides. 

É verdade, porém, que frequentemente mais de um mecanismo está presente na gênese da regurgitação valvar, porém esta classificação pode trazer informações úteis para o acompanhamento destes pacientes.  

Aqui vamos alguns exemplos de como esta classificação pode ser usada na prática. 

# CASO 1: 

Mulher, 65 anos, realizou ecocardiograma de seguimento para avaliar hipertrofia ventricular esquerda por ser portadora de hipertensão arterial sistêmica.  

Ecocardiograma demonstrou valva aórtica trivalvular e com refluxo moderado (vena contracta 0,5 cm, espessura do jato ocupando 41% da VSVE – relação jato/VSVE) secundário ao aumento importante da aorta ascendente (6,5 cm) com extensão à junção sinotubular (5,0 cm), preservando o seio de valsalva (3,2 cm) e anel valvar (2,0 cm).   

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Apresentava diâmetro diastólico final do VE (DDVE) de 5,7 cm e diâmetro sistólico final (DSVE) de 3,1 cm, com fração de ejeção estimada em 76% (Teichholz). Foi submetida a cirurgia para correção do aneurisma de aorta ascendente e reparo (plastia) valvar aórtico. O estudo histopatológico da peça anatômica revelou aortite linfoplasmocítica e, após avaliação com reumatologista, confirmado diagnóstico de arterite temporal.  

STJ – junção sinotubular; AoA – anel valvar; FAA – anel valvar funcional

Podemos classificar este caso como Tipo Ia (acometimento da aorta ascendente distal e da junção sinotubular, poupando a raiz de aorta). Este tipo de alteração normalmente gera uma falha de coaptação da região central, levando a uma regurgitação valvar com jato central. A presença de um jato excêntrico no refluxo aórtico tipo I deve elevar a suspeição da coexistência de uma alteração tipo II (prolapso) ou ser resultado de um aumento assimétrico do “anel valvar funcional” (functional aortic annulus – FAA). 

# CASO 02: 

Homem, 60 anos, queixando-se de dispneia aos moderados esforços. Ecocardiograma com valva aórtica trivalvular e presença de aumento importante da raiz de aorta (6,5 cm), resultando em uma falha de coaptação central com refluxo aórtico importante (vena contracta 0,7 cm, relação jato/VSVE 65%). Havia também aumento do anel valvar (2,7 cm), da junção sinotubular (6,2 cm) e da aorta ascendente (4,6 cm). O DDVE era de 7,1 cm e o DSVE de 6,4 cm, com fração de ejeção de 40% (Simpson’s). Foi submetido a cirurgia de Bentall e o estudo anatomopatológico demonstrou degeneração da camada média da aorta, achado associado a doença do tecido conjuntivo.  

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Este caso se enquadra na classificação tipo Ib (aumento da raiz da aorta), que geralmente ocasiona um jato central, a não ser que a dilatação da raiz aórtica seja assimétrica ou caso haja outro mecanismo associado (prolapso ou restrição de mobilidade).  

# CASO 03: 

Homem, 29 anos, com histórico de miocardiopatia induzida por antracíclico, realizou ecocardiograma de seguimento para avaliar função ventricular esquerda. 

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Ao ecocardiograma, DDVE 6,3 cm, DSVE 5,2 cm, FE 35% (Simpson’s). Presença de refluxo aórtico classificado inicialmente como moderado a importante. Realizou ECO TE que demonstrou valva aórtica trivalvular e aumento isolado do anel valvar (3,0 cm), resultando em um jato regurgitante central com refluxo importante (vena contracta 0,8 cm, relação jato/VSVE 61%) ao Doppler. A raiz de aorta media 3,5 cm e a junção sinotubular 2,8 cm, com aorta ascendente medindo 3,0 cm de diâmetro. Tentado reparo valvar (plastia) sem sucesso por refluxo valvar residual moderado, sendo optado por implante de prótese aórtica metálica. Estudo anatomopatológico demonstrou alterações mixomatosas dos folhetos valvares.

Este caso se enquadra no tipo Ic da classificação funcional.  

# CASO 04:  

Homem, 56 anos, com histórico de endocardite infecciosa (enterococcus faecalis), com refluxo valvar aórtico residual, evoluindo com dilatação do ventrículo esquerdo.  

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Ecocardiograma TE demonstrou perfuração do folheto não coronariano da valva aórtica, resultando em refluxo aórtico importante (vena contracta 0,8 cm, relação jato/VSVE 62%). Raiz de aorta com aumento moderado (4,3cm), anel valvar com diâmetro preservada (2,2 cm), bem como a junção sinotubular (3,5 cm). Aorta ascendente com 3,7 cm de diâmetro. DDVE 6,4 cm, DSVE 4,5cm, FE 56% (Teichholz).

Este caso se enquadra no tipo Id (perfuração de cúspide valvar por endocardite, trauma ou outras causas). Nestes casos, o jato regurgitante se origina distante da área de coaptação dos folhetos valvares.  

# CASO 05:  

Homem, 68 anos, portador de doença arterial coronária, realizou ecocardiograma para avaliar função ventricular esquerda.  

Ecocardiograma demonstrou valva aórtica trivalvular com prolapso do folheto coronariano direito e jato excêntrico, por regurgitação aórtica severa (vena contracta 0,7 cm, fluxo reverso holodiastólico em aorta abdominal), com direção ao folheto anterior da valva mitral.  

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Anel valvar (2,4 cm), raiz de aorta (3,4 cm) e junção sinotubular (3,0 cm) com diâmetros preservados, assim como a aorta ascendente (3,2 cm).  DDVE 5,6 cm, DSVE 3,1 cm e FE 75% (Teichholz).  

Este é um caso do tipo II, que deve sempre ser suspeitada na presença de jatos regurgitantes excêntricos (normalmente se afasta – sentido oposto da cúspide envolvida).  

# CASO 06: 

Homem, 76 anos, com dispneia aos esforços (Classe Funcionao II-III) com refluxo aórtico importante associado a estenose valvar moderada.  

Ao ecocardiograma, apresentava valva aórtica trivalvular com degeneração fibrocalcífica e restrição de mobilidade, de forma assimétrica, do folheto não coronariano, resultando em uma coaptação do folheto coronariano direito abaixo do nível do folheto não coronariano, com jato excêntrico severo (vena contracta 0,6 cm, fluxo reverso holodiastólico significativo em aorta descendente), em direção ao folheto anterior da valva mitral.  

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A velocidade máxima foi de 2,7 m/s, com área valvar estimada em 1,9 cm² (planimetria). Aorta ascendente com aumento moderado (4,4 cm) e anel valvar com diâmetro normal (2,6 cm), além de raiz de aorta (3,7 cm) e junção sinotubular (3,7 cm). DDVE 7,0 cm, DSVE 5,7 cm, FE 40% (Simpson’s). 

Este é um caso do tipo III, em que se observa restrição de mobilidade por calcificação e espessamento dos folhetos secundário à degeneração fibrocalcífica, doença reumática. Normalmente observa-se um jato central, a não ser que haja calcificação/espessamento de forma assimétrica com predomínio de algum folheto valvar.   

Mais importante do que memorizar esta classificação (eu particularmente sou péssimo para memorizar classificações), é a correta descrição de todos os achados que podem estar envolvidos na origem da alteração valvar. Estas informações devem estar descritas no laudo do exame de forma objetiva para auxiliar na tomada de decisão terapêutica.

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