Não precisamos falar muito sobre o que foi (e graças à Deus, o tempo verbal é no passado) a pandemia de COVID 19. Também não é nenhuma novidade que muitos pacientes apresentaram acometimento cardíaco, seja por agravamento de doenças previamente existentes ou por disfunção relacionada à doença aguda (ação direta do vírus x eventos trombóticos x relacionadas à doença crítica, como desbalanço entre oferta e demanda).
Infarto miocárdico, miocardite, disfunção ventricular (esquerda e/ou direita), síndrome de Takotsubo foram situações amplamente vistas nesses pacientes, sobretudo naqueles com quadro grave da COVID 19.
Em publicação da ESC, foram avaliados 1.216 pacientes com COVID 19 (confirmados – 73% ou presumidos – 27%), em 96 países diferentes (06 continentes), que realizaram ecocardiograma na fase aguda da doença.
As indicações para a realização do ecocardiograma foram: (1) suspeita de disfunção ventricular esquerda – indicação mais comum, (2) suspeita de disfunção ventricular direita, (3) dor torácica e eletrocardiograma com supradesnivelamento do segmento ST, (4) elevação de biomarcadores cardíacos (troponina e BNP), (5) arritmia ventricular e (6) choque circulatório (cardiogênico ou suspeita de tamponamento cardíaco).
54% dos exames foram realizados em unidade de terapia intensiva, 2% em unidade coronariana, 5% na sala de emergência e 1% no laboratório de hemodinâmica. Os demais ecocardiogramas foram de pacientes internados em enfermarias (clínica médica, cardiologia, pneumologia e áreas exclusivas para pacientes com COVID19).
Dentre os pacientes com cardiopatia preexistente (26%), tínhamos doença isquêmica (14%), insuficiência cardíaca (9%) ou valvopatia (7%). Hipertensão arterial (HAS) foi observada em 37% dos pacientes e diabetes (DM), em 19%.
Quando comparados com pacientes com ecocardiograma normal, aqueles que apresentam alguma alteração ecocardiográfica eram mais velhos e tinham maior prevalência de alguma cardiopatia preexistente, contudo com prevalência semelhante de HAS e DM. Não houve diferença entre sexo.
Disfunção ventricular esquerda foi observada em 479 pacientes (39%), com evidência de novo infarto miocárdico em 36 pacientes (3%) e miocardite em 35 (3%). Síndrome de Takotsubo foi vista em 19 pacientes (2%).
17% dos pacientes com acometimento ventricular esquerdo apresentaram disfunção sistólica leve, 12% disfunção moderada e 9% disfunção importante.
Alterações do ventrículo direito foram detectadas em 397 pacientes (33%), sendo disfunção sistólica leve ou moderada em 19% dos casos, e disfunção importante em 6%. Dilatação do VD foi vista em 15% dos pacientes, aumento das pressões da artéria pulmonar em 8% e VD em formato de “D” em 4%.
Tamponamento cardíaco (1%) e endocardite (1%) foram considerados eventos raros. 182 pacientes evoluíram com disfunção cardíaca severa (esquerda ou direita) ou com tamponamento cardíaco.
O ecocardiograma se mostrou alterado mais frequentemente quando a indicação do exame foi dor torácica com supradesnivelamento do segmento ST (71%), elevação de biomarcadores cardíacos (69%), suspeita de disfunção ventricular esquerda (60%) ou direita (60%), ou quando na presença de múltiplas indicações (72%).
Os pacientes sem doença cardíaca prévia (901) foram mais propensos a ter um exame normal (54% – 488/901), quando comparados com aqueles com alguma doença cardíaca existente (apenas 19% apresentaram ecocardiograma normal – 61/315).
Elevações de troponina e de BNP foram considerados preditores independentes de alteração ventricular.
O estudo traz, em números, dados que foram observados na prática de quem acompanhou pacientes com COVID 19 durante o período pandêmico. Lembrando que estamos falando de uma publicação de junho de 2020, ou seja, ainda sabíamos muito pouco sobre essa doença! Precisamos, agora, entender como será a evolução desses pacientes no período pós doença. Cenas para os próximos capítulos …
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.