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Área de risco funcional em pacientes com dor torácica, sem elevação do segmento S-T do eletrocardiograma

Por Caio Guedes de Souza e José M. Del Castillo

Todo o cardiologista que atua em unidades de emergência médica sabe o quão desafiador é avaliar e estratificar de forma correta um paciente com dor torácica.

Nos Estados Unidos, por exemplo, 5 milhões de pessoas dão entrada em pronto-socorros com dor torácica todos os anos e, cerca de 20% dos pacientes com Síndrome Coronariana Aguda (SCA) são liberados para casa, gerando uma demanda que representa 8% das ações judiciais médicas nos EUA5.

Neste contexto, o eletrocardiograma (ECG) assume um papel essencial na estratificação de risco de forma precoce nesses pacientes com dor torácica. A presença de supradesnivelamento do segmento ST prediz, com alta especificidade, uma oclusão coronariana aguda2.

Desta forma, quando presente, esta alteração eletrocardiográfica direciona para uma estratégia de reperfusão coronariana precoce, reduzindo a área de infarto e recuperando tecido miocárdico viável, se realizada em tempo hábil, tendo importante impacto prognóstico. Até aí, tudo bem. Afinal, todos nós sabemos que “tempo é músculo”!!!

Contudo, até 30% dos pacientes com oclusão coronariana aguda não apresenta supradesnivelamento do segmento ST no ECG, sendo então diagnosticados como Síndrome Coronariana Aguda Sem Supradesnivelamento do Segmento ST (SCA S/SST)1. E aqui mora o problema.

Uma parcela não desprezível de pacientes acaba tendo a terapia de reperfusão miocárdica retardada, aumentado o tempo de isquemia a qual estão sendo submetidos, fato este que pode trazer consequências irreversíveis ao músculo cardíaco.

Assim sendo, fica fácil imaginar o quão desafiador este cenário clínico se torna na sala de emergência. Diante disto, outros métodos complementares, além da avaliação clínica seriada, ganham importância neste contexto.

Portanto, avaliar situações de risco funcional de forma eficaz se torna essencial para uma parte significativa de pacientes com dor torácica na emergência.

É de conhecimento de todos que o ecocardiograma pode ser útil na detecção de Doença Arterial Coronária (DAC), ao avaliar alterações da contratilidade miocárdica segmentar do ventrículo esquerdo (VE), além da quantificação da fração de ejeção1.

Estudos experimentais já demonstraram uma excelente correlação entre área de risco para isquemia e disfunção sistólica segmentar2. Uma importante limitação, contudo, é que, quando avaliada em repouso, a contratilidade miocárdica muitas vezes encontra-se normal mesmo em pacientes com DAC significativa1.

Assim, essa área de risco, até pouco tempo, poderia ser avaliada apenas por métodos pouco disponíveis nas salas de emergência, como por exemplo o ecocardiograma contrastado e Spect CT.

Entretanto, de alguns anos para cá, a análise da contratilidade segmentar e função sistólica do VE através do método de Speckle Tracking pelo Strain vem ganhando maior importância dada a sua capacidade de avaliar estas alterações de forma precoce e de forma mais precisa em relação a avaliação visual convencional.

Em estudo realizado por caniggia C et al.3, por exemplo, em 96% dos casos em que não se observou visualmente alteração da contratilidade segmentar de pacientes submetidos ao ecocardiograma com estresse físico, houve alteração detectada pelo Strain.

Em pacientes classificados com SCA S/ SST, uma área de risco funcional definida por alteração da contratilidade ventricular esquerda em pelo menos 4 segmentos correlatos, detectada através do Strain, conferiu uma sensibilidade de 85% e especificidade de 70% em predizer uma oclusão coronariana aguda (RR 7.5, 95% IC: 3.3 – 18.2, P < 0,01)2.

Retirado de EAK, C. Strain Echocardiography Predicts Acute Coronary Occlusion in Patients with Non-ST-segment Elevation Acute Coronary Syndrome. European Journal of Echocardiography (2010) 11, 501-508
Retirado de EAK, C. Strain Echocardiography Predicts Acute Coronary Occlusion in Patients with Non-ST-segment Elevation Acute Coronary Syndrome. European Journal of Echocardiography (2010) 11, 501-508

Ainda, já existem dados correlacionando de forma inversa o valor do Strain Longitudinal Global do VE com o Syntax Score em pacientes admitidos com dor torácica no pronto-socorro e que, posteriormente, foram submetidos angiografia coronária.

Esta relação foi ainda mais evidente naqueles pacientes com o Syntax Score (SS) considerado alto para o estudo (definido como SS > ou igual a 22), com especificidade de 90%(95% IC: 0,75 — 0,95, P < 0.001) para determinar obstrução coronariana significativa1.


Retirado de VRETTOS, A. Correlation Between Global Longitudinal Peak Systolic Strain and Coronary Artery Disease Severety as Assessed by The Angiographically Derived SYNTAX Score. Echoresearch and practice, published by Bioscientifica Ltd, 2016

Se levarmos em consideração que aproximadamente 70% das SCA são SCA S/SST e que em torno de 25 a 30% destes pacientes podem ter uma oclusão coronariana aguda4, a distinção destes pacientes (com ou sem obstrução coronariana aguda) certamente tem importância prognóstica significativa no contexto das SCA, pois muitos destes pacientes não irão preencher critérios diagnósticos suficientes para serem submetidos a terapia de reperfusão coronariana de forma precoce, já que esta decisão (estratégia conservadora x estratégia invasiva) dependerá de critérios clínicos e de modelos de estratificação como TIMI RISK e GRACE para determinar a severidade e extensão da isquemia.

Assim sendo, o ecocardiograma com Strain se mostra uma ferramenta útil para detectar obstrução coronariana aguda nos pacientes com SCA S/ SST, com vantagem de ser não invasivo e podendo ser realizado à beira do leito.

A seguir, um exemplo prático de como o ecocardiograma com Strain pode ser útil na avaliação de dor torácica no pronto socorro.

Paciente de 58 anos, masculino, hipertenso e eletrocardiograma demonstrando bloqueio de ramo esquerdo (BRE). Apresentou dor torácica aos moderados esforços (CCS II) e procurou o serviço de emergência hospitalar. O ecocardiograma transtorácico (ETT) não evidenciou alteração segmentar da contratilidade, contudo o Strain mostrou, ademais do padrão de BRE (dupla contração das paredes septais), presença de área de risco funcional na parede ântero-lateral basal, medial e apical. Realizado cineangiocoronariografia, sendo demonstrada lesão > 80% em grande ramo diagonal, posteriormente tratada com angioplastia e com Stent não farmacológico.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS:

1- VRETTOS, A. Correlation Between Global Longitudinal Peak Systolic Strain and Coronary Artery Disease Severety as Assessed by The Angiographically Derived SYNTAX Score. Echoresearch and practice, published by Bioscientifica Ltd, 2016

2- EAK, C. Strain Echocardiography Predicts Acute Coronary Occlusion in Patients with Non-ST-segment Elevation Acute Coronary Syndrome. European Journal of Echocardiography (2010) 11, 501-508

3- CANIGGIA, C. Feasibility and Contribution of Global and Regional 2D Strain During Exercise Stress Echocardiography. Revista Argentina Cardiol 2014;82-83-84

4- BISWAS, A.K. Identification of Significant Coronary Artery Disease in Patients with Non-ST Segment Elevation Acute Coronary Syndrome by Myocardial Strain Analyses Using Three-Dimension Speckle Tracking Echocardiography. wileyonlinelibrary.com/journal/echo 2018;35:1988-1996

5-  SOEIRO, A.M. Manual de Condutas Práticas da Unidade de Emergências do Incor 1. ed. Barueri, SP: Manole, 2015.

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