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Como funciona a aplicação prática do Strain nas Valvopatias?

A ecocardiografia desempenha papel fundamental no diagnóstico e acompanhamento dos pacientes com valvopatias. No exame convencional, é possível avaliarmos o mecanismo da disfunção valvar, a gravidade da lesão e suas repercussões hemodinâmicas, assim como fornecermos informações importantes para a decisão terapêutica e o prognóstico do paciente.

O strain surge como mais uma ferramenta ecocardiográfica que pode nos fornecer informações valiosas nos ajudando a ter maior sucesso no tratamento de pacientes, pois é capaz de detectar alterações precoces provocadas pelas valvopatias, assim como nos auxiliar na predição de eventos cardiovasculares, sucesso das intervenções cirúrgicas e riscos de complicações, como arritmias.

Vamos ver como isso funciona na prática…

Estenose Mitral

Na estenose mitral, normalmente encontramos função sistólica do ventrículo esquerdo normal, já que a lesão funciona como uma barreira, protegendo o mesmo dos efeitos de sobrecarga de pressão ou volume.

Porém, num trabalho publicado em 2015, Younan e colaboradores demonstraram comprometimento subclínico da função ventricular esquerda em pacientes com estenose mitral moderada a grave, através da avaliação do strain longitudinal global (SLG) e do strain rate, com redução estatisticamente significativa, em relação aos pacientes controle. Essa redução também se correlacionou com a área e os gradientes da valva mitral.

Figura 1. Paciente com estenose mitral importante, fração de ejeção preservada e SLG reduzido (13%).

Também podemos avaliar o strain do átrio esquerdo destes pacientes, com boa correlação entre a redução deste e o surgimento de arritmias, como a fibrilação atrial.

Figura 2. Em A, observamos avaliação do SLG do átrio esquerdo de um indivíduo saudável (normal). Em B, a avaliação do átrio esquerdo de um paciente com estenose mitral importante: aumento do volume, redução do SLG e heterogeneidade na deformação miocárdica de suas paredes.

Devemos lembrar, no entanto, que a avaliação da região basal do ventrículo esquerdo pode prejudicar o resultado final do SLG, devido ao mecanismo de fibrose do aparato valvar e subvalvar. Por isso, a medição do strain desta região não é recomendada nesta valvopatia.

Insuficiência Mitral

Na insuficiência mitral, o ventrículo esquerdo sofre sobrecarga de volume, o que pode provocar alterações adaptativas importantes do mesmo, até chegar à hipertrofia excêntrica e disfunção sistólica de graus variados, que nem sempre se reflete na redução da fração de ejeção ao exame bidimensional. Portanto, precisamos de outros dados para caracterizar a real função ventricular destes pacientes.

Sabemos que alterações precoces da função ventricular já podem ser detectadas através da avaliação do strain longitudinal global e esta vem se mostrando uma maneira interessante de avaliar os pacientes que nem mesmo desenvolveram alterações hemodinâmicas significativas.

No entanto, é importante observarmos que o valor do SLG considerado normal nesses pacientes poderá sofrer alteração para um valor maior de acordo com estudos que estão sendo conduzidos no momento. Ou seja, assim como a fração de ejeção deve estar acima de 60% para considerarmos normal, o SLG deve estar acima de 21% (e não 18%), para considerarmos que a deformação miocárdica está normal.

Figura 3. Paciente de 38 anos, sexo feminino, com insuficiência mitral de origem reumática. FE 69% (Simpson), volume do átrio esquerdo de 49 ml/m², dP/dT 842 mmHg/s, volume diastólico final do VE 120 ml/m². SLG 19% (valor normal acima de 21%).

Estenose Aórtica

A estenose aórtica provoca sobrecarga pressórica do ventrículo esquerdo, com hipertrofia das paredes, o que vai levar a alterações da deformação miocárdica. O SLG pode estar reduzido, mesmo com FE normal.

Assim como nas outras cardiopatias, os strains circunferencial e radial se alteram nas fases mais tardias e descompensadas da doença, quando existe acometimento das camadas mais externas do miocárdio.

Uma particularidade da estenose aórtica é o aumento inicial do twisting, a fim de aumentar a força de contração ventricular.

Figura 4. Paciente com estenose aórtica importante e fração de ejeção normal. A: strain longitudinal global reduzido (12%). B: strain circunferencial global normal (25%). C.1 e C.2: rotação apical aumentada, resultando em twisting aumentado (29°)

Podemos utilizar o strain ainda para avaliar a recuperação da deformação miocárdica após correção cirúrgica e como fator preditivo de eventos cardiovasculares, baseados no valor de SLG pré-operatório.

Figura 5. Recuperação do trabalho miocárdico, após correção cirúrgica da estenose aórtica. A: strain radial recuperado de 34% para 44%. B: strain circunferencial recuperado de 14,5% para 24,1%. C: strain longitudinal global recuperado de 14,2% para 17,9%.
Figura 6. A: observamos que a avaliação do SLG aumenta, de forma significativa, a capacidade de predição de eventos cardiovasculares em pacientes com estenose aórtica, em conjunto com a avaliação do EuroScore, da fração de ejeção e da presença de doença isquêmica. B: observamos aumento significativo da mortalidade dos pacientes com estenose aórtica e SLG menor ou igual a 14%.

Insuficiência Aórtica

A IAo provoca sobrecarga volumétrica e pressórica do ventrículo esquerdo e existe diminuição do SLG significativa nestes pacientes, independente do grau de insuficiência.

O strain pode ser utilizado para acompanhamento dos pacientes selecionados para tratamento cirúrgico. Existe uma redução inicial do strain radial e circunferencial, no pós-operatório imediato, que vai se recuperando à medida que o paciente vai se adaptando às novas condições hemodinâmicas, com recuperação parcial ou total da deformação miocárdica.

Figura 7. A: strain radial antes da correção cirúrgica da insuficiência aórtica. B: recuperação do strain radial, após substituição valvar.

*Bônus*

Como destacado em negrito na discussão sobre estenose aórtica, um detalhe interessante a se observar é a sequência de alteração do strain nos pacientes valvulopatas. O SLG é o primeiro a se alterar em todas as condições, pois reflete a deformação miocárdica da camada muscular subendocárdica, a primeira a ser afetada pelas alterações hemodinâmicas de qualquer cardiopatia.

À medida que as camadas mais externas vão sendo afetadas, surgem as alterações dos strains circunferencial e radial. Nesta fase, geralmente os pacientes se encontram em quadros mais sintomáticos e descompensados. A utilidade principal da avaliação do strain radial, nestes casos, é o estudo do sincronismo cardíaco.

Figura 8. Paciente com insuficiência aórtica compensada. À esquerda, SLG reduzido (10%). À direita, strain circunferencial global normal (22%).
Figura 9. Paciente com insuficiência aórtica descompensada. SLG: strain longitudinal global reduzido (5%). SCG: strain circunferencial global reduzido (4%). Rotação apical 1° e twisting negativo, demonstrando a perda da contratorção apical do ventrículo esquerdo.

E então? Gostaram do post? Deixem seus comentários, dúvidas e compartilhem com seus colegas! Nos vemos na próxima semana, quando comentaremos sobre as aplicações práticas do strain na avaliação de pacientes em quimio e radioterapia. Até lá!

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