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Anatomia da Valva Mitral: porque o básico é sempre encantador

Aqui no blog temos conteúdos diversos relacionados à ecocardiografia, do básico ao avançado, para que esta ferramenta seja útil e sirva como fonte de consulta rápida em meio a correria do dia-a-dia.

Pensando nisso, vamos iniciar uma série de postagens sobre um aspecto fundamental e essencial no processo de aprendizagem que é o conhecimento anatômico das estruturas cardíacas, obviamente que direcionado para a ecocardiografia. Então, começamos hoje pela valva mitral.

Como base, utilizarei o livro do DIC – Pena, J. L.; Vieira, M. L. C. Ecocardiografia e Imagem Cardiovascular. Revinter, 2020. 

A valva mitral corresponde a uma complexa estrutura anatômica que funciona em sincronismo para exibir ideal abertura e fechamento de suas cúspides durante o ciclo cardíaco.

A aparato valvar mitral é formado pelo (1) anel mitral, (2) cúspides, (3) cordoalhas tendíneas e (4) músculos papilares. Acrescento ainda que a musculatura do átrio esquerdo (AE), relacionada com a inserção das cúspides, e o miocárdio, ao qual se insere os músculos papilares, também possuem importância no funcionamento valvar.

ANEL MITRAL:

O anel mitral corresponde ao local de junção entre o AE e o ventrículo esquerdo (VE), que dá suporte às cúspides. Essa estrutura se divide em porções anterior e posterior.

O anel mitral anterior é fundamentalmente parte do esqueleto fibroso do coração, sendo margeado pelos trígonos fibrosos direito (posterior) e esquerdo (anterior), que são separados por uma faixa de tecido chamada de região intertrigonal. Essas estruturas fazem parte da continuidade que existe entre as válvulas não coronariana e coronariana esquerda (valva aórtica) e a cúspide anterior da valva mitral, sendo conhecida como fibrosa intervalvar mitroaórtica.

*Este estrutura ganha importância no contexto de endocardite infecciosa da valva aórtica, podendo ser sítio de complicações como abscesso e perfuração.

O anel posterior, por sua vez, é composto principalmente por tecido muscular, conferindo a essa porção maior propensão à dilatação e calcificação.

*Aqui está a explicação da razão pela qual temos um acometimento predominante do anel valvar posterior na doença mitral degenerativa, caracterizando a calcificação do anel mitral (mitral annular calcification). Ainda, é uma região de destaque na análise do prolapso do folheto posterior pela possibilidade de disjunção entre o endocárdio e a parede do AE.

O anel mitral apresenta uma forma geométrica descrita como paraboloide hiperbólica que nada mais é que o famoso formato em sela (ou de uma famosa batatinha rsrsrs). Apresenta os pontos mais altos (relacionados com o AE) localizados anterior e posteriormente e os pontos mais basais (ventriculares) relacionados com as comissuras anterolateral e posteromedial.

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Esse formato permite que o anel valvar apresente mudança dinâmica de sua geometria ao longo do ciclo cardíaco, o que faz com que a tensão sobre as cúspides diminua, melhorando, assim, a coaptação valvar. Graças a essa conformação, o anel valvar pode apresentar diminuição de até 25% de sua circunferência durante a sístole.

A circunferência anular normal é menor que 10 cm e a área de orifício valvar mitral pode variar entre 4-6 cm.

Na ecocardiografia bidimensional, um passo importante na avaliação da anatomia valvar mitral é realizar a medida do diâmetro do anel na janela paraesternal longitudinal.

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CÚSPIDES:

A valva mitral é formada pelas cúspides anterior e posterior, que convergem para as comissuras anterolateral e posteromedial.

A cúspide anterior, mais arredondada, possui uma superfície maior e uma base mais curta, ocupando 1/3 da circunferência do anel mitral. A cúspide posterior, por sua vez, é mais estreita, com uma maior base de implante do anel e ocupa os 2/3 restantes da circunferência.

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A zona de aposição (coaptação) das cúspides forma uma linha de fechamento côncavo-convexa, que não se estende até o anel, mas que termina no limite das comissuras. Essa região pode ser medida entre o topo das cúspides e o seu ponto de coaptação mais basal, formado pela sobreposição sistólica das mesmas. Mede aproximadamente 1 cm, criando uma redundância suficiente para prover coaptação reserva em resposta às forças de tração das cordoalhas, sendo essencial para manter a função valvar normal.

*Graças a esta redundância, a coaptação pode ser mantida mesmo na presença de (pequena) dilatação do anel valvar, fazendo com que não haja regurgitação até certo limite.

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A cúspide posterior apresenta fendas ou subcomissuras em sua linha de fechamento que criam bosselações conheciadas com scallops, que se denominam segmentos P1 (mais lateral), P2 (central) e P3 (em continuidade com a comissura posteromedial).

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Por correspondência, os segmentos da cúspide anterior são denominados A1, A2 e A3. Contudo, esta cúspide é lisa e não apresenta bosselações. Os scallops não são iguais em tamanho, sendo os segmentos centrais (A2 e P2) os maiores na maioria dos corações.

São estruturas finas translúcidas e apresentam uma superfície atrial e ventricular. De acordo com o local de inserção das cordoalhas tendíneas, apresentam zona áspera e outra lisa.

A zona áspera constitui a margem livre das cúspides, local onde se inserem as cordas primárias e que corresponde à linha de fechamento valvar. Já a zona lisa representa a região da cúspide desprovida de cordas. A cúspide posterior ainda apresenta uma terceira zona, onde se inserem cordas basais.

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CORDOALHAS TENDÍNEAS:

São estruturas fibrosas que unem a margem livre das cúspides e suas superfícies ventriculares aos músculos papilares.

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De acordo com o local de inserção, classificam-se em primárias (zona áspera, na margem livre das cúspides), cordas secundárias (zona áspera além da margem livre) e cordas terciárias (porção basal da cúspide posterior).

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Cada músculo papilar emite cordas para a metade ipsilateral de ambas as cúspides, havendo portanto, algum grau de cruzamento de cordas tendíneas no interior do VE.

As cordas primárias são finas, mantêm a aposição das cúspides e facilitam o fechamento valvar. Se seccionadas, resultam em insuficiência mitral aguda, com eversão da cúspide para dentro do AE (flail). Já as cordas secundárias, mais grossas e extensíveis, relacionam-se com a manutenção do tamanho e geometria do VE e cursam com regurgitação valvar de menor grau quando rompidas.

*É por este motivo que podemos observar casos de ruptura de cordoalha associado a regurgitação valvar não importante. Ou seja, nessa situação possivelmente trata-se de ruptura de cordoalha de segunda ordem.

MÚSCULOS PAPILARES:

Como unidade funcional, o músculo papilar inclui a porção adjacente da parede ventricular esquerda, constituindo, assim, o componente muscular do aparato mitral.

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Nomeados como anterolateral e posteromedial de acordo com a sua relação abaixo das comissuras, estas estruturas localizam-se entre os 1/3 médio e apical do VE, exceto no septo interventricular.

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