O apêndice atrial esquerdo (AAE) tem papel importante nos pacientes com fibrilação atrial (FA). Apesar de sua função fisiológica não ser muito bem entendida*, sabe-se que o AAE pode ser foco de arritmias e, principalmente, origem de tromboembolismo.
* Funciona como uma câmara de descompressão durante a sístole ventricular esquerda e em condições de pressão atrial esquerda elevada. Sua complacência é maior que a do restante do átrio, e, por isso, é capaz de modular a pressão na câmara, compensando sobrecargas de volume e aumentos de pressão. Além disso, o apêndice possui a maior concentração de grânulos de peptídeo natriurético atrial (PNA).
A ecocardiografia transesofágica, nesse contexto, é a modalidade de imagem frequentemente utilizada para documentar/excluir trombo no interior da AAE, sobretudo antes da realização de cardioversão.
A visualização, de forma apropriada, do AAE, mesmo em caso de exclusão prévia, é parte importante desta avaliação. Para tal, se faz necessário o entendimento diferentes variáveis anatômicas dessa estrutura cardíaca, sejam eles consideradas como normais ou secundárias à abordagem invasiva prévia (ver exemplos a seguir – vídeos retirados de https://doi.org/10.1016/j.case.2023.01.003).
Aqui no blog já falamos sobre uma condição incomum que é o aneurisma do AAE. Agora vamos para o outro extremo e falar, de forma objetiva, sobre a ausência (agenesia) congênita do AAE.
A ausência do AAE na sua localização anatômica habitual pode ser decorrente de três diferentes possibilidades: (1) dextroposição do AAE, por deslocamento congênito, o posicionando no átrio direito (à direita, entre o apêndice atrial direito e aorta ascendente); (2) inversão espontânea, como complicação rara de cirurgia cardíaca (por utilização do bypass cardiopulmonar por aplicação à vácuo), suspeitado na presença de uma nova massa no átrio esquerdo observada pela ecocardiografia transoperatória; (3) agenesia congênita do AAE.
A agenesia do AAE é condição rara, com poucos casos relatados na literatura e que se associa a outras alterações congênitas em até 20% dos casos. Dada sua baixa incidência, normalmente é necessária a complementação com outro método diagnóstico para uma definição diagnóstica.
Vamos mostrar como isso pode acontecer na prática? Trago aqui um relato de caso do periódico CASE (Arguelles et al, Congenital Absence of the Left Atrial Appendage: Role of Multimodality Imaging, Cardiovascular Imaging Case Reports Volume 7 Number 6).
Paciente de 57 anos de idade, com FA paroxística (CHADS-VASC 4) admitido no pronto socorro com palpitação taquicárdica associada a dispneia. Tinha histórico de miocardiopatia hipertrófica com implante de cardiodesfibrilador (CDI) por arritmia ventricular documentada.
Radiografia de tórax demonstrou congestão pulmonar leve e eletrocardiograma, FA de alta resposta ventricular (FC 137 bpm).
Foi indicado cardioversão elétrica sincronizada e solicitado ecocardiograma transesofágico pré procedimento para avaliar presença de trombo intracavitário.
Durante o exame não foi possível visualizar o AAE em sua topografia habitual.
A reconstrução 3D do AE também falhou em demonstrar o AAE.
Considerando que o paciente não tinha histórico de cirurgia cardíaca aberta ou de oclusão percutânea, foram cogitadas as seguintes hipóteses: (1) hipoplasia ou agenesia do AAE; (2) AAE completamente trombosado e (3) topografia não habitual do AAE.
Foi, então, realizado com tomografia computadorizada com contraste, que confirmou a ausência do AAE, com achado adicional de origem anômala do coronária direita a partir do folheto coronariano esquerdo com trajeto interatrial.
Após a confirmação diagnóstica de ausência congênita de AAE, o paciente realizou cardioversão elétrica sincronizada, sem complicações, com reversão para ritmo sinusal e niciou heparina intravenosa como ponte para anticoagulação oral com rivaroxabana.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.