Amiloidose, antes dita como não tão frequente, é condição clínica cada vez mais presente na prática médica (corresponde a 12% dos casos de insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada) e o acometimento cardíaco ocorre quase que exclusivamente nos subtipos AL e transtirretina (ATTR).
O acometimento cardíaco resulta no aumento da espessura diastólica das paredes ventriculares, levando a uma cardiomiopatia restritiva. Estima-se que 7% dos pacientes encaminhados a serviços terciários com diagnóstico de cardiomiopatia hipertrófica sejam, na verdade, portadores de amiloidose cardíaca.
Vale ressaltar sua elevada associação com estenose aórtica (EAo), com algumas séries apontando que 1 a cada 8 pacientes com EAo severa submetido à TAVI tem achado de cintilografia compatível com amiloidose cardíaca.
Vamos fazer um breve resumo da diretriz da Sociedade Britânica de Ecocardiografia sobre amiloidose cardíaca.
AUMENTO DA ESPESSURA DAS PAREDES VENTRICULARE: o marco do depósito de proteínas amiloides é o aumento da espessura diastólica (≥ 12 mm) das paredes do ventrículo esquerdo (VE) ou de ambos os ventrículos na ausência de doença valvar aórtica, hipertensão arterial sistêmica (HAS) ou outra causa plausível.
É verdade, porém, que a amiloidose cardíaca subtipo AL pode se apresentar com relativo mínimo aumento da espessura das paredes e massa ventricular esquerda normal.
Como resulta de uma infiltração progressiva do espaço extracelular (intersticial) e, portanto, ser uma pseudo-hipertrofia (já que não reflete o aumento dos cardiomiócitos propriamente dito), uma característica desta condição é a presença de hipertrofia ventricular ao ecocardiograma associada ao achado de baixa voltagem no eletrocardiograma.
FISIOLOGIA RESTRITIVA: outro achado clássico da amiloidose cardíaca é a presença de uma cavidade ventricular esquerda de tamanho normal ou reduzido, com padrão restritivo ao Doppler relacionado ao aumento das pressões de enchimento pela rigidez do VE, com função longitudinal reduzida, associado ao aumento biatrial frequentemente observado.
Não é incomum observamos contraste espontâneo por estase sanguínea no interior dos átrios, além de aumento da espessura do septo interatrial, bem como das valvas cardíacas, além de derrame pericárdico.
É importante lembrar que a presença isolada de um desses achados tem baixa sensibilidade para definição diagnóstica de amiloidose cardíaca.
SPECKLE-TRACKING: a utilização da técnica de splecke-tracking, ou até mesmo do Doppler tissular, para análise da função sistólica longitudinal do VE é crucial nesses pacientes, sobretudo para diferenciar de outras condições que cursem com hipertrofia ventricular esquerda.
Desde as fases iniciais da doença há comprometimento da função sistólica longitudinal do VE e ambas as formas AL ou ATTR cursam com um padrão característico, mas NÃO patognomônico, que é a famosa preservação apical conhecida como “cereja do bolo” ou apical sparing (sensibilidade 93%, especificidade 82%).
Pacientes com outras causas de hipertrofia ventricular esquerda, por sua vez, como EAo e cardiomiopatia hipertrófica, apresentam redução do strain longitudinal nas regiões de maior hipertrofia.
Alguns padrões ecocardiográficos são sugeridos para tentar diferenciar amiloidose cardíaca de outras causas de hipertrofia ventricular esquerda.
Em uma série com 100 pacientes, incluindo aqueles com amiloidose cardíaca, cardiomiopatia hipertrófica e cardiomiopatia hipertensiva, mostrou que relação entre a fração de ejeção e o strain global longitudinal (SGL) foi o parâmetro que, isoladamente, se mostrou com maior poder discriminatório (ponto de corte >4.1).
Outro estudo com 1240 pacientes com amiloidose cardíaca ATTR teve como achado uma alta acurácia diagnóstica (AUC 0.80) para a fração da contração miocárdica (myocardial contraction fraction), traduzida pela relação do stroke volume pela massa miocárdica (com o tempo e a progressão da doença, ocorre um aumento da massa ventricular esquerda associada a uma redução desta cavidade, resultando num stroke volume reduzido) . Este mecanismo leva a um estado de volume diastólico final do VE fixo em que o débito cardíaco fica extremamente dependente da frequência cardíaca.
Embora ainda não validado, um sistema de score ecocardiográfico foi endossado pela Sociedade Europeia de Cardiologia – ESC. Em pacientes com aumento da espessura da parede ventricular, um score de aumento da espessura calculado a partir da espessura relativa da parede do VE, relação E/e´, TAPSE, SGL e relação do strain longitudinal septal ápice-base apresentou uma alta acurácia diagnóstica para amiloidose cardíaca ATTR quando ≥ 8 pontos (AUC 0.87).
Já nos pacientes com amiloidose cardíaca AL, o AL Score ≥ 5 pontos, baseado em parâmetros que incluem espessura relativa do VE, SGL e TAPSE, mostrou uma boa acurácia diagnóstica (AUC 0.90) para este subtipo de amiloidose com acometimento cardíaco.
A descrição do aspecto granular (granular speckling) do miocárdio não deve ser utilizada dada a sua presença em diversas outras condições, como cardiomiopatia hipertensiva, doença renal crônica, cardiomiopatia hipertrófica e doença de Pompe.
Outro cuidado que devemos ter é ao assumir que a hipertrofia causada pela amiloidose deve ser simétrica. Em estudo de ressonância magnética cardíaca com 263 pacientes com amiloidose cardíaca ATTR, 79% desses demonstraram hipertrofia assimétrica, inclusive com 24% dos casos apresentando um contorno septal reverso, achado tradicionalmente ligado ao diagnóstico de cardiomiopatia hipertrófica.
Por fim, o artigo compila alguns padrões que podem sugerir o diagnóstico de amiloidose cardíaca:
- Não Sugestivo: espessura das paredes do VE normal, atrial esquerdo com volume normal, Doppler tissular mitral septal ou lateral com velocidade da onda e´ > 10 cm/s, SGL normal e ausência da apical sparing;
- Sugestivo: aumento da espessura diastólica das paredes do VE, SGL reduzido com o padrão de preservação apical, padrão de fluxo transmitral e do Doppler tissular do anel mitral restritivo.
Um cenário frequente é a presença de EAo baixo fluxo/baixo gradiente em pacientes com amiloidose cardíaca. Contudo, aqui, a associação mais frequente é a de parâmetros de EAo baixo fluxo/baixo gradiente com fração de ejeção (FE) > 50%. Embora nenhum parâmetro ecocardiográfico possa diferenciar pacientes com ou sem amiloidose cardíaca no contexto de EAo, habitualmente aqueles com amiloidose cardíaca apresentam uma hipertrofia ventricular desproporcional em relação à gravidade da estenose valvar.
Uma espessura diastólica do septo interventricular > 18 mm e relação E/A > 1.4 foram parâmetros que mais fortemente se associaram a presença de amiloidose em pacientes com EAo.
Em relação a impacto prognóstico, redução do stroke volume, do SGL e da E/e´, além do aumento do índice de área do átrio direito foram todos associados a mortalidade, de forma independente, em pacientes com amiloidose ATTR. Por outro lado, melhora do SGL associada a redução de NT pro-BNP indicam melhor sobrevida em pacientes com amiloidose AL.
Piora do grau de regurgitação mitral e/ou tricúspide, refletindo infiltração dessas estruturas, foi também fator associado, de forma independente, a eventos adversos.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.