“Há muito tempo, na Grécia Antiga, uma história de coragem e sacrifício ecoou através dos séculos, dando origem a uma das provas mais desafiadoras do mundo: a maratona. A lenda conta a história do soldado ateniense Fidípides, cuja corajosa jornada se tornou uma inspiração para os corredores de todo o planeta.
Acredita-se que a lendária maratona tenha suas raízes na Batalha de Maratona, ocorrida em 490 a.C. Durante esse conflito, os exércitos atenienses lutaram contra uma ameaça persa. Após a vitória dos atenienses, Fidípides foi escolhido como mensageiro para levar a notícia da vitória e a salvação de Atenas.
Em uma demonstração de coragem e devoção à sua cidade, Fidípides partiu em uma corrida épica, percorrendo cerca de 42 quilômetros desde o campo de batalha de Maratona até Atenas. Sua missão era anunciar aos cidadãos a vitória dos exércitos atenienses sobre os persas.
Movido pela urgência e pelo desejo de transmitir essa importante mensagem, Fidípides enfrentou terreno acidentado, superou desafios naturais e ignorou a própria exaustão. Ele correu com uma determinação feroz, impulsionado pela necessidade de entregar a notícia que poderia mudar o destino de sua cidade.
Finalmente, ao chegar em Atenas, Fidípides proclamou a vitória com suas últimas forças. No entanto, o preço dessa missão heroica foi alto. O esforço supremo cobrou seu tributo, e Fidípides sucumbiu à exaustão, deixando um legado de coragem e determinação.” (Por Pablo Mateus: https://runnersbrasil.com/descubra-como-a-lendaria-maratona-nasceu-e-se-tornou-um-simbolo-de-resiliencia-e-determinacao/).
Seria esta, portanto, a primeira morte súbita relacionada à atividade física de alta intensidade documentada na história ?! Aliás, quando falamos em morte súbita em atletas, logo nos vem à cabeça condições como miocardiopatia hipertrófica, cardiomiopatia arritmogênica, doença arterial coronariana. Contudo, é preciso ter em mente que outras condições, bem menos frequentes, também podem existir.
Sabemos que durante o exercício de endurance de alta intensidade, há um aumento sustentado do débito cardíaco. Se esse estímulo for mantido por longos períodos (como numa maratona, por exemplo), o coração é exposto a uma condição de sobrecarga volumétrica.
Já foi documento que até 1/3 dos maratonistas apresentam aumento de troponina e de peptídeos natriuréticos após correr uma maratona. Em menor número e, de forma mais tardia, alguns desenvolvem pequenos focos de fibrose miocárdica, que podem servir como substrato arritmogênico (justificando a incidência aumentada de fibrilação atrial e arritmias ventriculares nesta população).
Portanto, essa sobrecarga volumétrica sustentada, levando a dilatação transitória de câmaras cardíacas e induzindo a formação de focos de fibrose em atletas pré-dispostos pode levar a uma condição chamada cardiomiopatia de Phidippides.
O que acontece é que, durante uma maratona, um série de alterações hemodinâmicas e metabólicas ocorrem para suprir o aumento da demanda exigida durante um estímulo de alta intensidade e mantido por um longo período.
Em indivíduos susceptíveis, o coração é incapaz de sustentar essa condição de alta demanda e inicia um processo de dilatação e distensão, sobretudo das câmaras direitas em resposta ao aumento da pré-carga (normalmente isso ocorre em atletas menos treinados).
Além disso, múltiplos biomarcadores cardíacos são liberados, incluindo mioglobina, troponina-I, CPK e BNP. Com a depleção volumétrica durante a prova, há uma redução da filtração glomerular, resultando em aumento de uréia, creatinina sérica e cistatina C.
Essas alterações, porém, são revertidas durante o período de recuperação pós maratona (daí a importância de um planejamento de treino – o repouso faz parte dele). Porém, o atleta irá correr novamente uma outra maratona e todo esse ciclo se reinicia de forma repetitiva ao longo de anos.
Esse padrão de repetição (dilatação e estiramento durante a prova –> retorno ao normal durante o descanso –> dilatação e estiramento durante a prova …) vai levar à alterações estruturais crônicas, que incluem dilatação permanente de câmaras cardíacas e fibrose miocárdica.
A cardiomiopatia de Phidippides vai se caracteriza pela presença de arritmia ventricular e/ou morte súbita em atleta após uma atividade aeróbica de alta intensidade, não justificada por outra causa.
Apesar de não existir uma recomendação específica de rastreio desses indivíduos que estariam sob um maior risco de desenvolver esta cardiomiopatia, a ressonância magnética (RM) cardíaca pode demonstrar focos de fibrose miocárdica, pela técnica de realce tardio. Já a ecocardiografia se limitará a documentar o padrão de “fadiga miocárdica” (postagem anterior) pós maratona.
CASO: homem, 50 anos de idade e previamente hígido, com episódio de perda de consciência enquanto dirigia.
Ativo e com histórico de participação em múltiplas meias-maratonas, tinha rotina de treinamento aeróbico duas vezes ao dia, 6 vezes por semana. A perda de consciência ocorreu 12 horas após seu último treinamento.
Análise do ritmo, durante assistência médica, demonstrou fibrilação ventricular, sendo prontamente iniciada RCP com desfibrilação.
Eletrólitos e creatinina normais, com troponina-I indeterminada (0.06 ng/mL). Eletrocardiograma, já em ambiente hospitalar, com ritmo sinusal e alterações inespecíficas da repolarização ventricular.
Ecocardiograma com função sistólica biventricular preservada e sem alterações estruturais. Cateterismo cardíaco documentou artérias coronarianas normais, com dominância esquerda e ventriculografia demonstrando hipertrofia ventricular esquerda.
Já a RM cardíaca mostrou hipertrofia leve do ventrículo esquerdo, com massa de 166.2g, e função sistólica preservada. Havia uma pequena área com focos de fibrose, com padrão mesocárdico, no segmento basal da região septo apical, sem obedecer padrão de distribuição coronariana.
O paciente apresentou recuperação completa, sem sequelas neurológicas e foi submetido a implante de cardiodesfibrilador para profilaxia secundária.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
Parabens. Percebe-se que os focos de fibrose devem fazer parte das supeitas em casos de perda de consciência, em pessoas que treinam regularmente.