Ecocardiografia do Esporte: trabeculação do ventrículo esquerdo – revisão de artigo

O uso do termo “trabeculação excessiva” (ou hipertrabeculação) é preferível atualmente, mesmo naqueles pacientes que preenchem algum critério para miocárdio não compactado. Isso ocorre porque, com uma certa frequência, esse achado se associa à condições não patológicas, podendo, inclusive, apresentar componente reversível.

A atividade física de alto rendimento é uma dessas condições e a presença de trabeculação excessiva do ventrículo esquerdo (VE) de forma isolada, na esmagadora maioria das vezes, não apresentará significado clínico relevante.

Por outro lado, quando essas trabeculações representam um fenótipo patológico (miocárdio não compactado), há uma forte associação com arritmias malignas, podendo aumentar de forma significativa o risco de evento adverso em praticantes de atividade física de alta intensidade.

Saber quando valorizar este achado no ecocardiograma, portanto, é crucial na avaliação de pacientes praticantes de atividade física. Aqui no blog, já abordamos esse tema e, agora, vou trazer uma recente publicação sobre o assunto dada sua importância na prática clínica do cardiologista do esporte.

Foram avaliados 1.492 atletas olímpicos, de diferentes modalidades esportivas, com foco na correlação clínica dos achados e significado prognóstico, com presença de trabeculação excessiva do VE e que não preenchia critério para miocardiopatia não compactada.

As modalidades esportivas foram divididas em (1) força (levantamento de peso, wrestling, judô, escalada, por exemplo), (2) habilidade (equitação, golf, tiro, surf…), (3) endurance (ciclismo, canoagem, triathlon, maratona, natação > 800 m …) e (4) misto (futebol, volei, basquete, tenis, polo aquático, ginástica rítmica …).

Trabeculações foram definidas como uma aparência em dupla camada do miocárdio, sendo a camada epicárdica compacta e a endocárdica, não compactada com presença de trabeculações proeminentes (banda muscular com pelo menos 3 mm de comprimento durante a diástole), contudo sem preencher o critério de jenni, com movimentação sincrônica com a camada compactada.

A idade média dos atletas avaliados foi de 25.9 anos, com uma prevalência levemente maior de homens (56.1%), sendo a grande maioria caucasiana, com apenas 3.8% dos indivíduos da raça negra.

De forma geral, 435 atletas (29.1%) apresentaram trabeculação ventricular esquerda, sendo 62,1% destes do sexo masculino (n = 270). A distribuição anatômica das trabeculações se deu da seguinte maneira: septal (8.5%), lateral (42,3%), anterior (30.7%), inferior (18.5%), basal (1.4%), médio ventricular (30.3%) e apical (68.2%).

As trabeculações foram mais frequentes entre atletas do sexo masculino (62,1% x 53,5%) e em negros (7.1% x 2,4%, P < 0.0001). Não houve diferenças em relação à idade (P = 0.16), superfície corpórea (P = 0.05) ou massa (P = 0.63).

Atletas de endurance apresentaram trabeculações do VE com maior frequência (26,8% x 18.5%, P = 0.0005), enquanto que este achado foi menos frequente entre atletas de modalidades de habilidade (9.2%).

61 atletas (14%) com trabeculação ventricular esquerda apresentaram arritmias ventriculares contra 11.6% dos atletas do grupo controle (P = 0.22), incluindo extrassístoles pareadas (0.9% x 0.5% no grupo controle, P = 0.29) e extrassístoles ventriculares polimórficas (0.7% x 1% no grupo controle, P = 0.76).

A presença de arritmia foi similar em relação a ectopias supraventriculares (P = 0.5) e ventriculares (P = 0.22) quando comparado com o grupo controle.

Como as trabeculações foram mais comuns nos atletas de endurance, o estudo fez uma subanálise avaliando as diferenças ecocardiográficas e funcionais entre os atletas de endurance com trabeculação com atletas de endurance sem trabeculação.

Nesta análise específica, trabeculações proeminentes foram mais comuns em homens (70,9% x 54%, P = -0.004), enquanto que na comparação entre etnia (P = 0.76), idade (P = 0.38) e superfície corpórea (P = 0.33) não foram observadas diferenças significativas.

Da mesma forma, não foram observadas diferenças significativas em relação ao padrão de arritmia entre os atletas de endurance comparando com o grupo controle: extrassístole ventricular 15,4% dos atletas com trabeculação x 10.2 atletas do grupo controle, P = 0,21; extrassístole supraventricular em 6.8% dos atletas com trabeculação x 5.6% nos atletas do grupo controle, P = 0.63.

Ainda entre os atletas de endurance, os que apresentaram trabeculação do VE tinham maiores volumes ventriculares, maiores velocidades de onda E mitral, maiores relações E/A e maiores velocidades de onda e´ septal, porém com relações E/e´ similares (P = 0.41).

Entre os atletas negros, a única diferença em relação aos atletas caucasianos foi uma maior prevalência de trabeculação entre atletas das modalidades de força (51.6% x 27,2%, P = 0.006), sem diferenças em relação à prevalência e origem das arritmias.

Por último, o estudo comparou a extensão das trabeculações (número de segmentos acometidos), sem contudo observar diferença de padrão entre as diferentes modalidades.

58 dos 435 atletas (13.3%) foram submetidos à estudo através da ressonância magnética (RM) cardíaca para melhor avaliação da morfologia ventricular e trabeculações. 27,6% destes tiveram a indicação da RM a partir da presença de extrassistolia ventricular durante o teste de esforço e o restante, em razão do aspecto morfológico das trabeculações. Em 96,5% dos estudos, o critério diagnóstico para cardiomiopatia não compactada não foi preenchido e nos únicos 02 casos (3.5%) que preencheram critério para a doença, não foram documentados histórico familiar positivo, alterações eletrocardiográficas ou arritmias induzidas pelo esforço, afastando o diagnóstico de não compactação.

Um seguimento médio de 52 meses foi realizado em 914 atletas (61,3%) e em 260 (59,8%) dos 435 com trabeculações, extrassístoles ventriculares induzidas pelo teste de esforço foram observadas em apenas 29 atletas (11.1%). Destes, 20 atletas (69%) realizaram nova RM cardíaca, porém o diagnóstico de cardiomiopatia não compactada não foi realizado em nenhum deles. Nenhum atleta teve a recomendação de suspender a participação em eventos competitivos.

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