Se, por um lado, temos vários parâmetros ecocardiográficos para a avaliação da função ventricular direita, a análise da função do átrio direito (AD), por sua vez, carece de dados robustos na literatura.
O strain do AD vem ganhando espaço e muito se discute sobre os valores de normalidades, bem como suas aplicações. Para ajudar neste entendimento, trago aqui uma meta-análise e revisão sistemática publicada no JACC em 2023.

Com o objetivo de se determinar valores normais dos parâmetros de deformação do AD em indivíduos saudáveis, os autores identificaram um total de 206 estudos dos quais, após análise de elegibilidade, 21 foram utilizados para compor a meta-análise, com um n final de 4.111 indivíduos.

Strain AD RESERVATÓRIO: a faixa de normalidade para a fase de reservatório foi de 25-63%, com um valor médio de 44% (95%IC: 25-63%), de acordo com 20 estudos (n = 3.921).

A heterogeneidade entre os estudos foi evidenciada pelo Cochran Q-statistic de 144 (P < 0.0001) e inconsistência por um valor I² de 89.3%.
Vamos pedir auxílio da inteligência artificial para entender esses dados …
1. Estatística Q de Cochran (Q = 144, P < 0.0001)
- O que é: A estatística Q de Cochran é um teste de hipótese formal para heterogeneidade. Ela testa a hipótese nula de que todos os estudos compartilham um efeito verdadeiro comum (ou seja, não há heterogeneidade real além do acaso).
- Significado do seu resultado (P < 0.0001): Um valor de P menor que 0.05 (ou, neste caso, muito menor que 0.0001) indica que você pode rejeitar a hipótese nula. Isso significa que é altamente improvável que as diferenças observadas nos resultados dos estudos sejam devidas apenas ao acaso. As diferenças são reais e estatisticamente significativas.
2. Valor I² (I² = 89,3%)
- O que é: O I² (índice de inconsistência) quantifica a proporção total da variação observada entre os estudos que é devido à heterogeneidade real (não ao erro amostral ou acaso).
- Significado do seu resultado (89,3%): Este é um valor muito alto. A interpretação comum dos valores de I² é:
- 0% a 40%: Pode não ser importante.
- 30% a 60%: Heterogeneidade moderada.
- 50% a 90%: Heterogeneidade substancial.
- 75% a 100%: Considerável ou alta heterogeneidade.
Um I² de 89,3% indica que aproximadamente 89,3% da variabilidade total nos resultados da sua meta-análise é devido a diferenças reais e sistemáticas entre os estudos (como diferentes populações, desenhos de estudo, intervenções, etc.), e não apenas ao acaso.
Conclusão do Achado
Em resumo, esses resultados indicam um grande desafio metodológico para a meta-análise:
- Os estudos estão medindo efeitos diferentes. A “média” geral dos resultados deve ser interpretada com muita cautela, pois ela tenta combinar resultados que são, na verdade, bastante distintos.
- A pesquisa deve focar nas causas. O próximo passo crucial na análise seria investigar as fontes dessa heterogeneidade (por exemplo, através de análises de subgrupos ou meta-regressão) para entender por que os estudos geraram resultados tão diferentes.
Pela análise de regressão, quando avaliados idade, índice de massa corporal (IMC), pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD) e frequência cardíaca (FC), nenhum desses foi determinado como contribuidor para a variabilidade.

Strain do AD BOMBA: a faixa de normalidade estimada foi de 2-32%, com um valor médio de 17% (95%IC: 2%-32%) a partir de 16 diferentes estudos (n = 3.400).

A heterogeneidade entre os estudos pelo Cochran Q-statistic foi de 17.1 (P < 0.38) e análise de inconsistências I² mostrou um valor de 12.3%. Na análise de regressão, sexo, IMC, e FC não foram contribuidores significativos para a variabilidade.

Strain AD CONDUTO: a faixa de normalidade foi estimada entre 7-28%, com um valor médio de 18% (95%IC: 7%-28%), a partir de 04 estudos (n = 2,195).

A heterogeneidade entre os estudos foi não significativa com Cochran Q-statistic de 1 (P < 0.81) e inconsistência com um I² de 0%. A análise de regressão avaliando idade não demonstrou variação significativa.
Strain Rate Sistólico do AD: a faixa de normalidade foi de 0.9-2.4 s-1, com um valor médio de 2.1 s-1 (95%IC: 0.9-3.4 s-1) – Figura A. a partir de 11 estudos (n = 2.195). A heterogeneidade entre os estudos foi não significativa, com Cochran Q-statistic de 15.3 (P < 0.12) e inconsistência com I² de 37.8%. Apenas a idade foi considerada como contribuidor significativo da variabilidade.


Strain Rate Diastólico do AD: a faixa de normalidade foi de -3.3 até -0.8 s-1, com valor médio de 2.0 s-1 (95%IC: -3.3 a -0.8 s-1), a partir de 10 estudos (n = 910) – Figura B. A heterogeneidade entre os estudos foi evidenciada por um Q-statistic de 18.7 (P < 0.03), com moderada inconsistência por I² de 52%. Na análise de regressão, idade, IMC, PAS, PAD e FC não foram associados à variabilidade.

Os autores reforçam que esses parâmetros ainda apresentam aplicação clínica limitada e que esses valores devem ser analisados com cautela.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.