Ainda “no clima” da nova diretriz de avaliação da função diastólica, vou fazer uma breve revisão de alguns dos principais parâmetros ecocardiográficos de avaliação da função diastólica.
A análise da função diastólica consiste na determinação do padrão de enchimento ventricular e a detecção do aumento ou não da pressão atrial esquerda. Como esses dados são dinâmicos, variando com o nível de atividade e, principalmente, com a faixa etária, é necessária uma avaliação detalhada de todos os elementos disponíveis para a análise, incluindo os dados clínicos, a sintomatologia e os sinais físicos que o paciente possa apresentar.
A importância deste diagnóstico fundamenta-se na mortalidade associada à disfunção diastólica, a qual é semelhante em casos com função sistólica preservada e diminuída.
Definição de Diástole:
A diástole da fisiologia clássica inicia com o fechamento da valva aórtica e culmina com o fechamento da valva mitral.
Após o fechamento da valva aórtica (FVAO), começa com o tempo de relaxamento isovolumétrico (TRIV), com a abertura mitral (AVM) continua com o período de enchimento ventricular rápido (onda E do fluxo mitral), onde existe um gradiente pressórico negativo entre o VE e o AE. Após essa fase, o período de diástase equaliza as pressões entre AE e VE, terminando a diástole após a contração atrial (onda A mitral) com o fechamento da valva mitral (FVM).

Temos, então:
- Tempo de relaxamento isovolumétrico (TRIV): após o fechamento valvar aórtico começa uma rápida e constante diminuição da pressão intraventricular conhecida na hemodinâmica como constante tau (τ), que se estende até a abertura da valva mitral.
- Período de enchimento ventricular rápido: a queda pressórica intraventricular, quando menor que a pressão atrial esquerda, provoca a abertura da valva mitral, momento em que ocorre uma rápida contra-torção miocárdica (provocada em parte pela contração da banda apical ascendente e, em parte, pelo recolhimento elástico do músculo cardíaco) o que cria um gradiente negativo intraventricular que, durante esta fase aspira o sangue contido no AE, entrando na cavidade ventricular 70% a 80% do volume total de enchimento, inscrevendo a onda E do fluxo mitral.
- Período de diástase: terminada a despolarização da banda apical ascendente do miocárdio, as pressões entre VE e AE se equalizam gradativamente, iniciando o período de diástase ou diástole passiva. A equalização pressórica está representada pelo tempo de desaceleração do fluxo mitral. Pequena quantidade de sangue continua a entrar no VE proveniente das veias pulmonares, cuja contribuição para o enchimento diastólico é de aproximadamente 5%. O enchimento ventricular, nesse período, deve-se a elasticidade ou complacência do miocárdio.
- Contração atrial: na fase final da diástole, a contração atrial aumenta o gradiente pressórico entre o AE e o VE complementando a entrada de sangue no VE, contribuindo com 15% a 25% do volume de enchimento ventricular.
Assim, a mínima pressão dentro do VE (pressão diastólica inicial ou Pd1) ocorre durante o enchimento ventricular rápido e a máxima pressão do VE (pressão diastólica final ou Pd2) ocorre durante a contração atrial.
Métodos ecocardiográficos para determinação da função diastólica:
Os métodos utilizados para avaliar a função diastólica, segundo o guideline da Sociedade Americana de Ecocardiografia, devem ser usados em conjunto com os dados clínicos e sintomas do paciente. A determinação da faixa etária é fundamental para esta análise.
Fluxo mitral: é o mais importante parâmetro utilizado para avaliação da função diastólica. Deve ser avaliado com Doppler pulsátil, o volume-amostra posicionado no ponto de coaptação das cúspides da valva mitral.

Mede-se a onda E, correspondente ao enchimento ventricular rápido, cuja velocidade normal é maior que 50 cm/s, a onda A, correspondente à contração atrial, com uma relação entre as velocidades E/A variando de 0,8 a 2,0, o tempo de desaceleração, tangenciando a rampa a partir da onda E até a linha de base (valor normal entre 140 e 240 ms) e a duração da onda A, maior que a duração da onda A do fluxo da veia pulmonar.
O fluxo mitral reflete as pressões de enchimento ventricular esquerdo durante as fases de enchimento ventricular rápido, diástase e contração atrial fornecendo importante informações sobre a função diastólica. A idade diminui gradativamente a velocidade da onda E, diminuindo a relação E/A.

Doppler tecidual do anel mitral: obtido desde a posição apical de 4 câmaras, deve-se posicionar o volume-amostra na região de maior mobilidade do anel mitral lateral e septal. Detecta a velocidade de deslocamento do anel mitral aproximando-se do ápice durante a sístole (onda s’) e afastando-se do ápice durante a fase de enchimento ventricular rápido (onda e’). Na fase de diástase a velocidade do anel diminui até a linha de base e sobre novo afastamento do ápice durante a contração atrial (onda a’).

Mede o deslocamento do anel mitral e correlaciona-se com a função sistólica (onda s’) e com a fase de enchimento ventricular rápido (onda e’). Alterações da função diastólica que diminuem o enchimento ventricular inicial também diminuem a velocidade da onda e’. Importante correlacionar esta onda com a onda E do fluxo mitral (relação E/e’) que reflete a pressão de enchimento do VE.
Pode-se estimar a pressão de enchimento do VE ou a pressão capilar pulmonar utilizando a equação conhecida como fórmula de Nagueh:
Pressão capilar pulmonar = 1,24 . (E/e’) + 1,9
Segundo a nova diretriz, a avaliação do Doppler tissular no anel mitral consiste na primeira etapa da avaliação da função diastólica:

Volume indexado do átrio esquerdo: o aumento do volume do átrio esquerdo correlaciona-se com o aumento da pressão nessa cavidade, aumentando, portanto, na disfunção diastólica com pressão de enchimento ventricular elevada, sendo preditor de morte, insuficiência cardíaca, fibrilação atrial e acidente vascular cerebral.
Pode estar dilatado na valvopatia mitral, estado hipercinético, bradicardia e fibrilação atrial sem estar relacionado com disfunção diastólica. Valores superiores a 34 mL/m² correlacionam-se com aumento da pressão de enchimento do VE.

Velocidade do refluxo tricúspide: este parâmetro, obtido com Doppler contínuo alinhado com o jato de refluxo tricúspide, também correlaciona-se com a pressão de enchimento do VE na ausência de doença pulmonar. Valores superiores a 2,8 m/s podem indicar aumento da pressão do AE, exceto em casos de importante refluxo tricúspide com falha de coaptação dos folhetos da valva ou jatos excêntricos que não possam ser alinhados com o Doppler.
Manobra de Valsalva: esta manobra provoca o aumento da pressão intratorácica com a finalidade de diminuir o retorno venoso, pulmonar e sistêmico e, dessa forma, diminuir as pressões de enchimento do VE. É obtida com expiração forçada com a glote fechada não deixando escapar o ar ou, ainda, assoprando um bocal acoplado a um manômetro. A pressão intratorácica deve ser elevada (>30 mmHg) e mantida durante pelo menos 10 segundos.

Em indivíduos normais, a diminuição do retorno venoso diminui a velocidade dos fluxos notando-se, no fluxo mitral, diminuição por igual das ondas E e A sem alteração da relação E/A. Em pacientes com aumento da pressão de enchimento do VE há inversão da relação E/A de pelo menos 50%, indicando uma disfunção diastólica “pseudonormal”.
Um dos maiores inconvenientes da manobra de Valsalva é a incapacidade de um número significativo de pacientes realiza-la. O deslocamento das estruturas cardíacas durante a manobra também pode prejudicar os resultados.
Tempo de relaxamento isovolumétrico: este parâmetro pode ser muito útil para diferenciar relaxamento alterado e restrição do enchimento ventricular. É obtido desde a posição apical, posicionando a linha do Doppler contínuo entre a via de saída e a via de entrada do VE, de forma a obter, simultaneamente, os fluxos mitral e da via de saída.

O TRIV muda com a idade, mas em termos gerais, a duração normal é de 80 ms. Duração inferior a 60 ms indica abertura precoce da valva mitral por aumento da pressão do AE e valores superiores a 110 ms retardo do relaxamento ventricular (disfunção diastólica grau 1).

Fluxo de veias pulmonares: obtido desde a posição apical de 4 câmaras, utilizando o Doppler pulsátil guiado pelo Doppler em cores, apresenta 3 componentes: componente sistólico (S), correspondente ao deslocamento apical do anel mitral durante a sístole ventricular que aumenta o tamanho do AE com rápida entrada de sangue pelas veias pulmonares; componente diastólico (D), que ocorre quando a abertura mitral esvazia o sangue do AE para o VE durante a fase de enchimento ventricular rápido e deve ser substituído por sangue proveniente das veias pulmonares; fluxo retrógrado ou onda A, corresponde à contração atrial que, além de aumentar o fluxo em direção ao VE pequena parte flui retrogradamente na direção das veias pulmonares.

A Tabela 10 mostra os valores das ondas do fluxo das veias pulmonares por faixa etária:

Continua …

Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.